HERÁCLITO
Heráclito de Éfeso é um dos meus pensadores
prediletos do período grego antigo, de incrível originalidade, este pensador
influenciou muitas vertentes filosóficas, sobretudo, o pensamento dialético;
por assim dizer, Heráclito é considerado o “pai da dialética”. Entre os principais
filósofos que foram influenciados por Heráclito, podemos citar Nietzsche,
Heidegger, Marx, Engels, Hegel, entre outros. Atualmente, quem faz uma retomada
do pensamento heraclitiano para fundamentar o corpo teórico do pensamento
complexo é o “sociólogo” francês Edgar Morin.
Didaticamente, a filosofia grega
é dividida em quatro períodos: pré-socrático; socrático ouantropológico; sistemático e helenístico ou greco-romano.
Heráclito é pré-socrático, porém, é preciso cuidado com o termo. Ao usar
Sócrates como uma divisória do pensamento filosófico da Grécia Antiga, a
Filosofia atribui a ingênua idéia de que qualquer pensador desse período, senão
Sócrates, Platão e Aristóteles, padecem de importância. – Usamos o termo aqui,
meramente, como recurso didático.
De fato, o que vingou e que ainda
impregna o modo de pensamento ocidental, está dentro dos moldes do pensamento socrático-platônico-aristotélico;
o platonismo se confunde com o cristianismo. Nesse sentido, é bem possível
dizer que o nosso pensamento, nossa visão de mundo e formas de conceber os
fenômenos estão esmeradamente engendrados por um forte escolasticismo.
Heráclito e outros filósofos
pré-socráticos estavam interessados em fundamentar a origem do mundo e das
transformações da Natureza: cosmologia. Entre as principais
características do pensamento pré-socrático – e da cosmologia – podemos citar:
·
Busca por
uma explicação racional e sistemática sobre a origem e transformações da
Natureza, tendo em vista também, desvelar o devir da vida humana.
·
Nega que o
mundo tenha surgido do nada, isto significa que o mundo ou a Natureza são
eternos e que tudo se transforma em outra coisa sem extinguir.
·
No plano
do eterno nada se perde, tudo se transforma, tudo vai e volta, e nessa dinâmica
o elemento primordial é chamado physis (fazer, surgir, brotar,
produzir). Aphysis seria a Natureza eterna.
·
Afirma
que todos os seres vivos são gerados e mortais, e estão em contínua
transformação; o mundo ou a Natureza também estão em contínua transformação,
sendo o movimento do mundo denominado devir.
·
Apreensão
dos opostos como complementares e não opositores (viver de morte e morrer de
vida).
O pensamento dos pré-socráticos
não era linear nem opositor, pelo contrário, a dialética enquanto
método de pensamento, permitia o movimento de comportar a circularidade de um
pensamento capaz de apreender as transformações contínuas do universo. No
entanto, esse raciocínio dinâmico não vingou como o pensamento
platônico-socrático que corresponde a uma formalinear-causal na
busca de compreensão dos fenômenos, aqui os opostos não comportam união (é
certo ou errado, verdade ou mentira, bem ou mal…), há uma supremacia estática
de verdade, ou éou não é.
O pensamento platônico-socrático
vingou de tal maneira no mundo ocidental que o cristianismo nada mais é que um
platonismo (Nietzsche) e a cartada final, dada por Descartes, reforçaria ainda
mais o pensamento dualista. Assim, juntamente com as
bases socrático-platônicas, o pensamento cartesiano da filosofia moderna se
configura como um molde no qual os vários campos das ciências se firmariam, e
claro, nós, no dia-a-dia, usamos e abusamos dessa forma de raciocínio.
Felizmente os abalos existenciais
do século XIX têm possibilitado o surgimento de novos modelos de pensamento das
quais destitui-se o caráter supremo da Razão – que nada mais é do que o deus
monoteísta disfarçado de científico. A desconstrução dessa razão sugere uma
razão consciente de suas limitações, lança-se ao mundo na busca de compreender
os fenômenos em sua totalidade mesmo sabendo que é impossível. Atenta-se para a
dinâmica das transformações que permitem um pensamento dinâmico, comportando
aspectos de complexidade, totalidade e circularidade.
Aforismos de Heráclito
Heráclito escreveu em forma de
aforismos, que por si só não comporta um pensamento sistematizado e punge no
leitor, não uma, mas várias interpretações, dependendo da perspectiva adota,
dai uma das dificuldades de interpretação e aviltamento pensamento
heraclitiano, uma vez que a ciência tradicional exige sistematizações metodológicas.
Um dos pensamentos de Heráclito que mais gosto é:
Imortais, mortais; mortais, imortais. A vida destes é a morte daqueles e
a vida daqueles a morte destes.
Heráclito está apontando para a
matéria em suas transformações, isto é, a matéria não se perde, se transforma.
Nos diz ainda que vivemos de morte e morremos de vida. Ficou difícil? – Imagine
o ciclo natural dos seres vivos, necessariamente, devemos nos alimentar de
outros seres vivos (viver da morte) que por fim, também são alimentados por outros
seres vivos ou morrem e dispersam seus componentes orgânicos na Natureza
(morrer de vida). Assim, nesse ciclo eterno da Natureza, onde tudo se
transforma, a mortalidade é imortalizada. Aqui vemos e morte e vida, não em
oposição, mas sim, enquanto forças tensionais de complementaridade.
Heráclito, considerado
um dos filósofos pré-socráticos mais importantes, nasceu em Éfeso, região da
Jônia, por volta de 540 a.C., tornou-se conhecido como o ‘pai da dialética’,
pois abordava a questão do devir – o vir a ser, as mutações. Avesso à vida em
sociedade, de natureza triste e arrogante, era chamado de ‘Obscuro’, por
rejeitar a vida pública, desconsiderar a arte, a filosofia e a religião, bem
como por ter escrito uma obra – “Sobre a Natureza” – considerada pouco
inteligível em seu estilo.
Depois de algum tempo, radicalizou sua filosofia de
vida e passou a viver isolado nas montanhas.
Apesar de tudo, ele expressou com intensidade a questão da
singularidade constante do Homem em vista da diversidade e da mutação dos
objetos efêmeros. Ele comprovou a realidade do ‘Logos’, uma lei geral que
governa todos os eventos de natureza privada e é o alicerce da ordem universal,
de uma harmonia constituída por oposições internas. Seus ensinamentos são
polêmicos até hoje. De sua produção filosófica restaram os aforismos -
sentenças que em poucas palavras revelam uma regra ou um princípio de
longo alcance -, reproduzidos ao longo dos séculos pelos mais variados
escritores.
Eles foram produzidos por Heráclito em um estilo próprio dos
oráculos.
Segundo Heráclito, o fluxo permanente define a harmonia
universal. Tudo se move, nada se fixa na imutabilidade. Ele costumava repetir
uma frase que se tornou célebre – ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio,
pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o
próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o
revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja,
do combate entre os contrários. Para este filósofo, a dialética pode ser
exterior – um raciocínio de dentro para fora - e imanente do objeto – quando se
foca na observação atenta do ser. Heráclito entende este processo dialético
como um princípio.
Deste conflito entre os opostos é que nasce a concórdia, a
harmonia. Isto permite que o Ser seja uno ao mesmo tempo em que se encontra
mergulhado nas constantes mutações do contexto que o envolve. Ele ainda afirma
que os contrários ocupam perfeitamente o mesmo espaço, simultaneamente, como o
início e o final de uma esfera. Partindo destes postulados, Heráclito
estabeleceu uma ‘arché’, ou seja, uma origem de tudo que há – o fogo, para ele
o elemento primordial entre os outros que constituem o universo: água, terra,
ar. Sob seu ponto de vista, esta substância transmuta-se em tudo que existe,
assim como tudo nela se transforma – percebe-se, assim, um fluxo constante de
mutação.
Embora tudo pareça obscuro em Heráclito, ele foi com
certeza um filósofo notável e acalentou em seu intelecto incomum profundas
reflexões. Ele mergulhou na compreensão da essência do ser e de tudo que
existe, e possivelmente foi um homem além de seu tempo. Talvez por isso se
sentisse tão deslocado entre seus contemporâneos.
A ÚNICA COISA QUE NÃO MUDA É QUE TUDO MUDA: A IDEIA
DO DEVIR NA FILOSOFIA DE HERÁCLITO
Você acha que tudo na vida muda o tempo inteiro ou a vida
permanece sempre a mesma, como se tudo fosse definitivo? Você consegue se
imaginar daqui a 10 anos? Você ainda será você, porém uma versão melhorada de
você. Neste artigo verificamos que não nascemos prontos e (também) não morremos
prontos. Você é hoje a sua melhor versão e, provavelmente, amanhã será ainda
melhor. Será uma pessoa com mais experiência, com uma nova percepção da vida,
dos fatos e das situações que lhe aconteceram e acontecem, tudo depende do modo
como você encara a vida.
Você
acha que tudo na vida muda o tempo inteiro ou a vida permanece sempre a mesma,
como se tudo fosse definitivo? Os primeiros filósofos gastaram bastante tempo
discutindo sobre essas questões há mais de 2.500 anos na Grécia Antiga.
Para
começarmos a pensar sobre o assunto, proponho o seguinte:
Tente
fazer um pequeno exercício de memória e experimente voltar 10 anos atrás.
Recorde seus sonhos, seu jeito de ser, seus temores e preocupações. Volte um
pouco mais e relembre sua infância, quando ainda era uma criança indefesa e
tinha medos simples, como dormir no escuro, medo de ficar sozinho em casa ou
mesmo dos sons que sua casa fazia durante a noite.
Agora,
adiante no tempo a partir deste ponto e reviva sua adolescência. Relembre as
revoltas sem motivo algum, das brigas com seus pais por querer ser independente
(mesmo ainda morando com eles e dependendo dos poucos trocados que recebia no
início do mês), do desejo de ser alguém que fosse lembrado, da vontade de
viajar pelo mundo e conhecer novas pessoas. Relembre a dor que sentiu ao fazer
a primeira tatuagem e da absoluta certeza de que faria muitas outras e que
jamais se arrependeria delas.
Agora
volte ao presente e perceba o quanto você mudou. Talvez alguns de seus sonhos
não tenham se realizado, mas certamente outros novos surgiram no meio do
caminho e lhe transformaram no que é hoje e, com certeza, outros novos sonhos e
novas experiências lhe modificarão no futuro.
Você
consegue se imaginar daqui a 10 anos?
Você
ainda será você, porém uma versão melhorada de você. Não nascemos prontos e não
morremos prontos. Você é hoje a sua melhor versão e, provavelmente, amanhã será
ainda melhor. Será uma pessoa com mais experiência, com uma nova percepção da
vida, dos fatos e das situações que lhe aconteceram e acontecem. Não foi
somente sua aparência que sofreu mudanças pelo decurso do tempo. Você mesmo
mudou, ainda que não se dê conta disso por completo.
Assim
como os seres humanos, tudo que nos cerca está em constante mudança, porém nem
sempre para melhor. Para Heráclito, filósofo nascido em Éfeso por volta de 540
a.C., tudo que existe está em transformação. Ele é considerado o pai da
dialética e chamou de “devir” a constante mudança do mundo. É dele a frase
“nada é permanente, exceto a mudança” e também “ninguém entra em um mesmo rio
uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as
águas que já serão outras”.
Heráclito
não era uma pessoa que poderíamos chamar de amigável. Era avesso à vida social
e não gostava muito de arte, religião e filosofia. Por isso era chamado de
“obscuro”. Sua obra intitulada “Sobre a Natureza” foi considerada de difícil
entendimento na época. Passou o resto de sua vida recluso nas montanhas, longe
de qualquer convívio social.
Esse
conceito criado por Heráclito, o devir, diz que o mundo é constituído pelos
opostos. É um fluxo constante que está presente em tudo no Universo. É uma
mudança que nasce a partir do conflito entre os contrários. O pensamento
filosófico dele declara que os opostos se complementam. O quente e o frio, o
bem e o mal, a vida e a morte, a juventude e a velhice, a alegria e a tristeza
são todas situações e emoções que se completam, na medida em que um não pode
existir sem o outro, pelo simples fato de que não podemos ter a noção de
felicidade sem experimentar a tristeza ou não conseguirmos definir se algo está
gelado sem antes ter a percepção do que seja algo quente.
O devir
representa sempre uma alternância entre os contrários. Essa guerra entre os
opostos é a realidade, aquilo que podemos afirmar que existe. Para Heráclito,
“a doença faz da saúde algo agradável e bom”, pois na ausência de doenças
jamais iríamos valorizar a saúde, pois não saberíamos que seria algo agradável (saúde)
em comparação a algo ruim (doenças).
Para o
filósofo, esse fluxo permanente entre os opostos não produz o caos. Pelo
contrário, é ele que garante a harmonia do Universo. Assim como uma esfera, que
não se sabe onde começa e termina, os contrários ocupam o mesmo espaço, numa
perfeita harmonização. Nessa harmonia, os opostos se coincidem do mesmo modo
que o princípio e o fim, o quente e o frio (pois o frio é o mesmo quente quando
muda) ou subir e descer um caminho. Nas palavras de Heráclito, “o caminho que
desce e o caminho que sobe são os mesmos”.
A ideia
da unidade dos contrários representa uma das ideias mais originais do
pensamento de Heráclito, em que o segredo do universo está na eterna luta entre
os opostos, mas sem um vencedor, já que um depende do outro para existir, ou,
mais precisamente, são versões diferentes da mesma coisa.
Devido
à essa constante transformação, a verdade é dialética, ou seja, as palavras
dizem as coisas em um constante estado de mudanças. Nossa percepção do mundo
usando apenas nossos sentidos nos enganam, pois seria uma percepção limitada,
já que contemplamos o mundo de forma imóvel, estática e imutável. Já a
percepção do pensamento é capaz de contemplar a instabilidade e constante
mutação das coisas e dos seres.
Heráclito
concebeu o fogo como a “arché” (origem de tudo que há), como o elemento
principal e transformador de todas as coisas. Para ele, tudo tem origem na
rarefação (quando a densidade de um corpo diminui, mas seu volume aumenta) e
flui como um rio. O sentido e o significado das coisas se encontra na
conciliação entre os diversos pares de opostos.
É
interessante percebermos como a filosofia heraclitiana permanece atual. Em
relação à essa constante mudança e luta entre os contrários, no que se refere à
matéria, esta se encontra em constante mutação. Nas palavras do químico
Lavoisier (1743-1794), famoso químico francês e considerado pai da química
moderna, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Encontramos marcas da atualidade do pensamento de Heráclito no Princípio da
Incerteza de Heisenberg, físico teórico alemão ganhador do Prêmio Nobel de
Física em 1932, que afirma ser impossível garantir a exata posição de um
elétron no átomo devido à própria natureza das partículas.
Encontramos
a aplicação do devir em nosso metabolismo, pois na medida em que ingerimos
matéria para o crescimento e manutenção de nosso corpo, perdemos matéria devido
ao natural desgaste físico com a idade.
Assim,
a vida é uma constante mudança, um clico de transformações. Para Heráclito, a
vida considerada como algo imutável é uma ilusão. Para ele, tudo se movimenta,
nada se fixa na imutabilidade. Apesar de nossos olhos nos darem a impressão da
estática das coisas, a realidade é fruto da mudança. Ou seja, a única realidade
que existe é a mudança. O “Lógos”, para a filosofia heraclitiana, é o princípio
de inteligibilidade, é a razão, o princípio maior da unificação, é mudança e
contradição que se harmonizam.
Quando
estamos dirigindo ou mesmo parados contemplando a beleza do pôr do sol, a
impressão que temos é que a paisagem ao nosso redor está parada, totalmente
estática, quando, na verdade, todos estamos em movimento ao redor do Sol, que
também faz seu movimento ao redor do centro da Galáxia, que, por sua vez, segue
a órbita do centro de massa do Universo.
Apesar
de parecer estarmos todos parados, nos encontramos numa velocidade de
aproximadamente 108 mil km/h ao redor do Sol! Ou seja, nem o Universo e nem nós
nos encontramos em estado de estabilidade. Tudo que existe está em processo de
mudança. Mesmo Heráclito tendo nascido muitos séculos antes das contemporâneas
teorias que tentam explicar a origem do Universo, para o pensador grego, o
Universo sempre existiu e nunca terá um fim, pois existirá sempre num clico de
eterna mutabilidade.
Vida de Heráclito
Heráclito
nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas
reais (descendentes do fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e
melancólico ficou proverbial em toda a antigüidade. Desprezava a plebe.
Recusou-se sempre a intervir na política. Manifestou desprezo pelos antigos
poetas, contra os filósofos de seu tempo e até contra a religião. Sem ter sido
mestre, Heráclito escreveu um livro Sobre
a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas de forma tão concisa que
recebeu o cognome de Skoteinós,
o Obscuro. Floresceu em 504-500 a.C. - Heráclito é por muitos considerados o
mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema da
unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas
particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e
fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e
fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões, "como a do
arco e da lira".
Filosofia de Heráclito
Heráclito
concebe o próprio absoluto como processo, como a própria dialética. A dialética
é:
A.
Dialética exterior, um raciocinar de
cá para lá e não a alma da coisa dissolvendo-se a si mesma;
B.
Dialética imanente do objeto,
situando-se, porém, na contemplação do sujeito;
C.
Objetividade de Heráclito, isto é,
compreender a própria dialética como princípio.
É o
progresso necessário, e é aquele que Heráclito fez. O ser é o um, o primeiro; o
segundo é o devir - até esta determinação avançou ele. Isto é o primeiro
concreto, o absoluto enquanto nele se dá a unidade dos opostos. Nele
encontra-se, portanto, pela primeira vez, a idéia filosófica em sua forma
especulativa; o raciocínio de Parmênides e
Zenão é entendimento abstrato; por isso Heráclito foi tido como
filósofo profundo e obscuro e como tal criticado.
O que nos
é relatado da filosofia de Heráclito parece, à primeira vista,
muito contraditório; mas nela se pode penetrar com o conceito e assim
descobrir, em Heráclito, um homem de profundos pensamentos. Ele é a plenitude
da consciência até ele - uma consumação da idéia na totalidade que é o início
da Filosofia ou expressa a essência da idéia, o infinito, aquilo que é.
O Princípio Lógico
O
princípio universal. Este
espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda:
"O ser não é mais que o
não-ser", nem é menos; ou ser e nada são o mesmo, a essência é
mudança. O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos; nos eleatas, temos
apenas o entendimento abstrato, isto é, apenas o ser é. Dizemos, em lugar da
expressão de Heráclito: O absoluto é a unidade do ser e do não-ser. Se ouvimos
aquela frase "O ser não é mais que o não-ser", desta maneira, não
parece, então, produzir muito sentido, apenas destruição universal, ausência de
pensamento. Temos, porém, ainda uma outra expressão que aponta mais exatamente
o sentido do princípio. Pois Heráclito diz:
"Tudo
flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo". E
Platão ainda diz de Heráclito:
"Ele
compara as coisas com a corrente de um rio - que não se pode entrar duas vezes
na mesma corrente"; o rio corre e toca-se outra água. Seus sucessores
dizem até que nele nem se pode
mesmo entrar, pois que imediatamente se
transforma; o que
é, ao
mesmo tempo já novamente não é. Além disso,
Aristóteles diz que Heráclito afirma que é apenas um o que permanece;
disto todo o resto é formado, modificado, transformado; que todo o resto fora
deste um flui, que nada é firme, que nada se demora; isto é, o verdadeiro é o
devir, não o ser - a determinação mais exata para este conteúdo universal é o
devir. Os eleatas dizem: só o ser é, é o verdadeiro; a verdade do ser é o
devir; ser é o primeiro pensamento enquanto imediato. Heráclito diz: Tudo é
devir; este devir é o princípio. Isto está na expressão:
"O ser é tão pouco como o
não-ser; o devir é e também não é". As determinações absolutamente
opostas estão ligadas numa unidade; nela temos o ser e também o não-ser. Dela
faz parte não apenas o surgir, mas também o desaparecer; ambos não são para si,
mas são idênticos. É isto que Heráclito expressou com suas sentenças. O não ser
é, por isso é o não-ser, e o não-ser é, por isso é o ser; isto é a verdade da
identidade de ambos.
É um
grande pensamento passar do ser para o devir; é ainda abstrato, mas, ao mesmo
tempo, também é o primeiro concreto, a primeira unidade de determinações
opostas. Estas estão inquietas nesta relação, nela está o princípio da vida.
Com isto está preenchido o vazio que Aristóteles apontou nas antigas filosofias
- a falta de movimento; este movimento é aqui, agora mesmo, princípio.
É uma
grande convicção que se adquiriu, quando se reconheceu que o ser e o nada são
abstrações sem verdade, que o primeiro elemento verdadeiro é o devir. O
entendimento separa a ambos como verdadeiros e de valor; a razão, pelo
contrário, reconhece um no outro, que num está contido seu outro - e assim o
todo, o absoluto deve ser determinado como o devir.
Heráclito
também diz que os opostos são características do mesmo, como, por exemplo,
"o mel é doce e amargo" - ser e não-ser ligam-se ao mesmo. Sexto
observa: Heráclito parte, como os céticos, das representações correntes dos
homens; ninguém negará que os sãos dizem do mel que é doce, e os que sofrem de
icterícia que é amargo - se fosse apenas doce, não poderia modificar sua
natureza através de outra coisa e assim também para os que sofrem de icterícia
seria doce. Zenão começa a sobressumir os predicados opostos e aponta no
movimento aquilo que se opõe - um por limites e um sobressumir os limites;
Zenão só exprimiu o infinito pelo seu lado negativo - , por causa de sua
contradição, como o não verdadeiro. Em Heráclito, vemos o infinito como tal
expresso como conceito e essência: o infinito, que é em si e para si, é a
unidade dos opostos e, na verdade, dos universalmente opostos, da pura
oposição, ser e não-ser. Tomamos nós o ente em si e para si, não a
representação do ente, do pleno, assim o puro ser é o pensamento simples, em
que todo o determinado é negado, o absolutamente negativo - nada é o mesmo,
apenas este igual a si mesmo - , passagem absoluta para o oposto, ao qual Zenão
não chegou! "Do nada, nada vem." Em Heráclito o momento da
negatividade é imanente; disto trata o conceito de toda a Filosofia.
Primeiro
tivemos a abstração de ser e não-ser, numa forma bem imediata e universal; mais
exatamente, porém, também Heráclito concebeu as oposições de maneira mais
determinada. É esta unidade de real e ideal, de objetivo e subjetivo; o
objetivo somente é o devir subjetivo. Este verdadeiro é o processo do devir;
Heráclito expressou de modo determinado este pôr-se numa unidade das
diferenças.
Aristóteles diz, por exemplo, que Heráclito "ligou o todo e o
não-todo" (parte) - o todo se torna parte e a parte o é para se tornar o
todo - , o "que se une e se opõe", do mesmo modo, "o que
concorda e o dissonante"; e de que de tudo (que se opõe) resulta um, e de
um tudo. Este um não é o abstrato, a atividade de dirimir-se; a morta
infinitude é uma má abstração em oposição a esta profundidade que vemos em
Heráclito. Sexto Empírico cita o seguinte que Heráclito teria dito: A parte é
algo diferente do todo; mas é também o mesmo que o todo é; a substância é o
todo e a parte. O fato de Deus ter criado o mundo Ter-se dividido a si mesmo,
gerado seu Filho, etc. - todos estes elementos concretos estão contidos nesta
determinação. Platão diz, em seu Banquete, sobre o princípio de Heráclito:
"O um, diferenciado de si mesmo, une-se consigo mesmo" - este é o
processo da vida, "como a harmonia do arco e da lira". Deixa então
que Erixímaco, que fala no
Banquete,
critique o fato de a harmonia ser desarmônica ou se componha de opostos, pois
que a harmonia se formaria de altos e baixos, mas da unidade pela arte da
música. Mas isto não contradiz Heráclito, que justamente quer isto. O simples,
a repetição de um único som não é harmonia. Da harmonia faz parte a diferença;
é preciso que haja essencial e absolutamente uma diferença. Esta harmonia é
precisamente o absoluto devir, transformar-se - não devir outro, agora este,
depois aquele. O essencial é que cada diferente, cada particular seja diferente
de um outro - mas não de um abstrato qualquer outro, mas de
seu outro; cada um apenas é, na medida em
que seu outro em si esteja consigo, em seu conceito. Mudança é unidade, relação
de ambos a um,
um ser, este e o outro. Na harmonia e no
pensamento concordamos que seja assim; vemos, pensamos a mudança, a unidade
essencial. O espírito relaciona-se na consciência com o sensível e este
sensível é seu outro. Assim também no caso dos sons; devem ser diferentes, mas
de tal maneira que também possam ser unidos - e isto os sons são em si. Da
harmonia faz parte determinada oposição, seu oposto, como nas harmonia das
cores. A subjetividade é o outro da objetividade, não de um pedaço de papel - o
absurdo disto logo se mostra - , deve ser
seu outro, e nisto reside sua identidade;
assim cada coisa é o outro do outro enquanto seu outro. Este é o grande
princípio de Heráclito; pode parecer obscuro, mas é especulativo; e isto é,
para o entendimento que segura para si o ser, o não-ser, o subjetivo e
objetivo, o real e o ideal, sempre obscuro.
Os Modos da Realidade
Heráclito
não ficou parado, em sua exposição, nesta expressão em conceitos, no puro
lógico, mas além desta forma universal, na qual expôs seu princípio, deu à sua
idéia também uma expressão real. Esta figura pura é precipuamente de natureza
cosmológica, ou sua forma é mais a forma natural; por isso, é incluído ainda na
Escola Jônica, e com isto deu novos impulsos à filosofia da natureza. Sobre
esta forma real de seu princípio os historiadores, contudo, não estão de acordo
entre si. A maioria diz que ele teria posto a essência ontológica como fogo,
outros dizem que como ar, outros dizem que antes o vapor que o ar; mesmo o
tempo é citado, em Sexto, como o primeiro ser do ente. A questão é a seguinte:
Como compreender esta diversidade? Não se deve absolutamente crer que se deva
atribuir estas notícias à negligência dos escritores, pois as testemunhas são
as melhores, como
Aristóteles e Sexto Empírico, que não falam destas formas de passagem,
mas de modo bem determinado, sem, no entanto, chamar a atenção para estas
diferenças e contradições. Uma outra razão mais próxima parece-nos resultar da
obscuridade do escrito de Heráclito, o qual, na confusão de seu modo de
expressão, poderia dar motivos para mal-entendidos. Mas, considerando mais
detidamente, esta dificuldade desaparece; esta mostra-se mais para uma análise
superficial; no conceito profundo de Heráclito acha-se a verdadeira saída deste
empecilho. De maneira alguma podia Heráclito afirmar, como
Tales, que a água ou o ar ou coisa semelhante seria a essência
absoluta; e não o podia afirmar como um primeiro donde emanaria o outro, na medida
em que pensou ser como idêntico como o não-ser ou no conceito infinito. Assim,
portanto, a essência absoluta
que
é não pode surgir nele como
uma determinidade existente, por exemplo, a água, mas a água enquanto se
transforma, ou apenas o processo.
A.
- Processo abstrato, tempo. Heráclito, portanto,
disse que o tempo é o primeiro ser corpóreo, como exprime Sexto.
"Corpóreo" é uma expressão inadequada. Os céticos escolhiam muitas
vezes as expressões mais grosseiras ou tornavam os pensamentos grosseiros para
mais facilmente liquidá-los. "Corpóreo" significa sensibilidade
abstrata; o tempo é a intuição abstrata do processo; diz que ele é o primeiro
ser sensível. O tempo, portanto, é a essência verdadeira. Na medida em que
Heráclito não parou na expressão lógica do devir, mas deu a seu princípio a
forma de um ente, deduz-se disto que primeiro tinha que oferecer-se a forma do
tempo; pois precisamente, no sensível, no que se pode ver, o tempo é o primeiro
que se oferece como o devir; é a primeira forma do devir. Enquanto intuído, o
tempo é o puro devir. O tempo é puro transformar-se, é o puro conceito, o
simples, que é harmônico a partir de absolutamente opostos. Sua essência é ser
e não-ser, sem outra determinação - ser puro e abstrato não-ser, postos imediatamente numa unidade e ao mesmo tempo separados.
Não como se o tempo fosse e não
fosse, mas o tempo é isto: no ser imediatamente não-ser e
no não-ser imediatamente ser - esta mudança de ser para não-ser, este conceito
abstrato, é, porém, visto de maneira objetiva, enquanto é para nós. No tempo
não é o passado e o futuro, somente o agora; e este é, para não ser, está logo
destruído, passado - e este não-ser passa, do mesmo modo, para o ser, pois ele é. É a abstrata contemplação
desta mudança. Se tivéssemos de dizer como aquilo que Heráclito reconheceu como
a essência existe para a consciência, nesta pura forma em que ele o reconheceu,
não haveria outra que nomear a não ser o tempo; é, por conseguinte,
absolutamente certo que a primeira forma do que devém é o tempo; assim isto se
liga ao princípio do pensamento de Heráclito.
B.
- A forma real como processo, fogo. Mas este puro conceito
objetivo deve realizar-se mais. No tempo estão os momentos, ser e não-ser,
postos apenas negativamente ou como momentos que imediatamente desaparecem.
Além disso, Heráclito determinou o processo de um modo mais físico. O tempo é
intuição, mas inteiramente abstrata. Se quisermos representar-nos o que ele é,
de modo real, isto é, expressar ambos os momentos como uma totalidade para si,
como subsistente, então levanta-se a questão: que ser físico corresponde a esta
determinação? O tempo, dotado de tais momentos, é o processo; compreender a
natureza significa apresentá-la como processo. Este é o elemento verdadeiro de
Heráclito e o verdadeiro conceito; por isso, logo compreendemos que Heráclito
não podia dizer que a essência é o ar ou a água ou coisas semelhantes, pois
eles mesmos não são (isto é o próximo) o processo. O fogo, porém, é o processo:
assim afirmou o fogo como a primeira essência - e este é o modo real do
processo heracliteano, a alma e a substância do processo da natureza.
Justamente no processo distinguem-se os momentos, como no movimento: 1. o puro momento negativo, 2. os momentos da oposição subsistente,
água e ar, e 3. a totalidade em repouso, a terra. A
vida da natureza é o processo destes momentos: a divisão da totalidade em
repouso da terra na oposição, o pôr desta oposição, destes momentos - e a
unidade negativa, o retorno para a unidade, o queimar da oposição subsistente.
O fogo é o tempo físico; ele é esta absoluta inquietude, absoluta dissolução do
que persiste - o desaparecer de outros, mas também de si mesmo; ele não é
permanente. Por isso compreendemos (é inteiramente conseqüente) por que
Heráclito pode nomear o fogo como o conceito do processo de sua determinação
fundamental.
C. - O fogo está agora mais precisamente determinado, mais
explicitado como processo real; ele é para si o processo real, sua realidade é
o processo todo no qual, então, os momentos são determinados mais exata e
concretamente. O fogo, enquanto o metamorfosear-se das coisas corpóreas, é
mudança, transformação do determinado, evaporação, transformação em fumaça;
pois ele é, no processo, o momento abstrato do mesmo, não tanto o ar como antes
a evaporação. Para este processo Heráclito utilizou uma palavra muito singular:
evaporação (
anathymíasis) (fumaça,
vapores do sol); evaporação é aqui apenas a significação superficial - é mais:
passagem. Sob este ponto de vista,
Aristóteles diz de Heráclito que, segundo sua exposição, o princípio
era a alma, por ser ela a evaporação, o emergir de tudo, e este evaporar-se,
devir, seria o incorpóreo e sempre fluído. As determinações mais próximas deste
processo real são, em parte, falhas e contraditórias. Sob este ponto de vista,
afirma-se, em algumas notícias, que Heráclito teria determinado o processo
assim: "As formas (mudanças) do fogo são, primeiro, o mar e, então, a
metade disto, terra, e a outra metade, o raio" - o fogo em sua eclosão.
Este é universal e muito obscuro. A natureza é assim esse círculo. Neste
sentido ouvimo-lo dizer: "Nem um deus nem um homem fabricou o universo mas
sempre foi e é e será um fogo sempre vivo, que segundo suas próprias leis (
métro)
se acende e se apaga.". Compreendemos o que Aristóteles cita, que o
princípio é a alma, por ser a evaporação, este processo do mundo que a si mesmo
se move; o fogo é a alma. No que se refere ao fato de Heráclito afirmar que o
fogo é vivificante, a alma, encontra-se uma expressão que pode parecer bizarra,
isto é, que a alma mais seca é a melhor. Nós certamente não tomamos a alma mais
molhada como a melhor, mas, pelo contrário, a mais viva; seco quer dizer aqui
cheio de fogo: assim a alma mais seca é o fogo puro, e este não é a negação do
vivo, mas a própria vida. Para retornar a Heráclito: ele é aquele que primeiro
expressou a natureza do infinito e que compreendeu a natureza como sendo em si
infinita, isto é, sua essência como processo. É a partir dele que se deve datar
o começo da existência da Filosofia; ele é a idéia permanente, que é a mesma em
todos os filósofos até os dias de hoje, assim como foi a idéia de
Platão e
Aristóteles.
"Os
homens são deuses mortais e os deuses, homens imortais; viver é-lhes morte e
morrer é-lhes vida".
"Nos
mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos".
OBRAS UTILIZADAS
DURANT,
Will, História da Filosofia -
A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª
edição, 1926.
FRANCA S.
J., Padre Leonel, Noções de
História da Filosofia.
PADOVANI,
Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História
da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ,
André e HUISMAN, Denis, História
da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª
edição, 1980.
Coleção
Os Pensadores, Os
Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.
REFERÊNCIA