domingo, 12 de fevereiro de 2017

DEMÓCRITO DE ABDERA

Demócrito (460 - 371 a.C.)

Para Demócrito é impossível o não ser. O ser é pleno, o não ser é o vazio.
As coisas nascem quando se juntam e a morte é a separação das coisas. O que origina as coisas reais é um infinito número de corpos que são invisíveis porque tem um volume muito pequeno. Esses corpos são os átomos que em grego significa não divisível. Eles não são divisíveis porque se fossem divisíveis ao infinito eles iriam se dissolver no vazio. Os átomos são naturalmente indestrutíveis, não criados e imutáveis. Os átomos não se diferenciam quanto à qualidade, todos eles são igualmente um ser completo, o que os diferencia é a forma ou a figura geométrica que eles assumem. São diversos entre si como as letras do alfabeto, mas podem formar diversas palavras e discursos através das suas combinações.

O átomo tem uma forma originária e única. A forma do átomo também é indivisível. O que diferencia um átomo dos outros é a sua figura, a sua posição e a sua organização. Esses três elementos que distinguem um átomo do outro podem assumir variações infinitas. Os nossos sentidos não conseguem perceber o átomo, mas a nossa inteligência consegue conhece-los. Eles são eternamente contínuos o por isso diferente dos outros corpos que são a junção de diferentes e diversos átomos. A qualidade de todos os corpos depende da forma e da ordem dos átomos que os compõem.

Os átomos possuem qualidades próprias como movimento, número, dureza e forma, mas cor, sabor, odor, calor e frio são aparências que provocam sensações em nossos sentidos mas não pertencem aos átomos. Os átomos provocam essas essas qualidades objetivas devido à suas combinações.

Os átomos são espontaneamente animados, eles se chocam ou se ricocheteiam entre si, gerando o nascimento a morte ou a mudança das coisas. As leis que regem o movimento dos átomos são imutáveis. O movimento dos átomos é giratório e eles ao girar chocam-se em todas as direções produzindo um vértice, nesse movimento as partes mais pesadas vão para o centro e as mais leves vão para a periferia. No movimento vertical os átomos mais pesados descem empurrando os átomos mais leves para cima. Através desse movimento são gerados infinitos mundos que se criam e se dissolvem também infinitamente.

O conhecimento também é explicado através desse movimento. A imagem que emana do átomo produz nas pessoas uma sensação, essas sensações são percebidas através do tato que é gerado pelo contato dos átomos com o corpo das pessoas. Mas mesmo com essas possibilidades para Demócrito nosso conhecimento ainda é limitado. Além de limitado o conhecimento modifica de pessoa para pessoa e vai depender também das circunstâncias. Esse conhecimento não nos dá um critério incontestável para definirmos a verdade e a falsidade. Podemos chegar a um conhecimento mais aprofundado dessa realidade utilizando o conhecimento racional que é uma ferramenta mais sensível que possuímos. Através do conhecimento racional pode ser distinguida a aparência da realidade.

A Ética
A concepção de ética em Demócrito não tem relação com as suas concepções físicas. Para ele o mais nobre bem que o homem pode alcançar é a felicidade. Essa felicidade não está no possuir as coisas, na riqueza. A felicidade mora somente na alma. A justiça e a razão é que nos tornam felizes. Somente através da razão vamos conseguir superar o medo da morte. Os excessos perturbam a alma do homem pois geram nele movimentos muito fortes. Os excessos geram movimentos de um extremo ao outro criando a inconstância e o descontentamento no homem. A alegria espiritual não está ligada ao prazer que não é em si mesmo um bem. O que é realmente necessário vai vir do belo. Devemos respeitar a nós mesmos antes de qualquer coisa.

Demócrito condenava o matrimônio porque este se fundamenta nas relações sexuais e as relações sexuais reduzem o domínio que o homem tem de si mesmo. Condenava o casamento também porque a educação dos filhos diminui a dedicação ao trabalho.

Sentenças:
- Fama e riqueza sem inteligência não são posses seguras.
- A palavra é uma sombra das ações.
- O homem é um pequeno mundo.
- Para mim um homem vale tanto quanto uma multidão e uma multidão tanto quanto um homem.
- É sinal de alma elevada suportar os excessos dos outros.
- Quem cede diante do dinheiro não será jamais um homem justo.
- O ignorante pensa sempre que não tem o que ele não conheça.
- Tudo que existe no universo é fruto do acaso e da necessidade.
- Não por medo, mas por obrigação, temos que nos distanciar dos erros.
- É adequado cedermos diante da lei, diante do governante e diante do mais sábio.
- Para persuadirmos muitas vezes a palavra é mais funcional do que o ouro.
- Muitos dos que cometem as ações mais vergonhosas argumentam com as melhores razões.
- Em matéria de virtude é necessário esforçar-se por fatos e atitudes e não por palavras.
- A quem tem um jeito de ser ordenado a sua vida resulta ser ordenada.
- É arrogância querer falar de tudo e não querer ouvir nada.
- Viver não vale a pena para quem não tem um bom amigo.
- A música é a mais jovem das artes, porque não é feita por necessidade, mas surge do supérfluo.
- O melhor para o homem é passar a vida o mais contente e o menos aflito possível. Isso seria possível se os prazeres não se baseassem em coisas passageiras. 
- Os homens em sua fuga da morte a vai perseguindo.
- Uma vida sem festas é um longo caminho sem repouso.
- Discreto é aquele que não se aflige com o que não tem, mas se alegra com o que tem.
- Nada existe além de átomos e do vazio.
- O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade enquanto o homem a ignora

Referência:


PARMÊNIDES

Parmênides de Eléia (530 - 460 a.C)
Parmênides é um filósofo que expôs seus pensamentos através da poesia em estilo homérico, mas nem por isso deixa de usar rigorosos argumentos dedutivos em suas colocações. Parmênides é o fundador da escola de Eléia e despertou grande admiração de Platão.

Dos seus poemas restaram-nos 154 versos e eles dividem-se em três partes. A primeira é uma introdução onde ele coloca como chegou às suas revelações. O filósofo conta a sua viagem imaginária pela morada da deusa da justiça que o conduzirá ao coração da verdade. A deusa mostra a Parmênides o caminho da opinião que conduz à aparência e ao engano e o caminho da verdade que conduz à sabedoria do ser. Cada um desses caminhos será tratado nas duas  partes seguintes.

Na segunda parte ele argumenta que o que é é diferente do que geralmente os homens supõem que seja. Nessa parte, intitulada Caminho da Verdade (alétheia), ele coloca o que a razão nos diz e ele faz isso através da metafísica dedutiva. Começa por premissas que ele acredita serem verdadeiras e dedutivamente ele chega a conclusões que também devem ser verdadeiras. Seus argumentos lógicos reconstruídos podem ser expressos da seguinte forma:
1 - Ou algo existe ou algo não existe.
2 - Se é possível pensar em algo, esse algo pode existir.
3 - Nada não pode existir.
4 - Se podemos pensar em algo esse algo não é nada.
5 - Se podemos pensar em algo esse algo tem quem ser alguma coisa.
6 - Se podemos pensar em algo esse algo tem que existir.
Na sequencia Parmênides expõe que somente nos resta dizer que esse algo é, pensar ou dizer que esse algo não é é impossível. Esse algo que é tem portanto obrigatoriamente que ser incriado e imperecível.

Na terceira parte, intitulada Caminho da Opinião (doxa), sobre a qual não podemos ter nenhuma certeza, ele faz uma descrição de como ele vê o mundo. Para ele essa sua descrição é falsa e enganosa pois é simplesmente o resultado de uma ordenação de palavras, mas essa ordenação é a melhor coisa que os homens podem fazer, sendo portanto a melhor descrição apresentada. Aqui ele expõe as crenças das pessoas simples. São conjuntos de teorias físicas como o dualismo entre o limitado e o ilimitado, que ele relaciona com a luz e as trevas, fazendo da realidade física uma mistura e uma luta entre esses dois elementos. É através dessa divisão que ele ordena as qualidades. Na comparação entre a luz e a escuridão, a escuridão é a negação da luz. Diferenciou as qualidades da natureza em positivas e negativas tomando por base outros opostos como vida e morte, fogo e terra, masculino e feminino, quente e frio, ativo e passivo, leve e pesado. Assim para ele nosso mundo se divide em duas esferas, as de qualidade positiva (luz, vida, fogo, masculino, quente, ativo, leve) e as de qualidade negativa (escuridão, morte, terra, feminino, frio, passivo, pesado). As qualidades negativas são uma negação das qualidades positivas e Parmênides utiliza os termos "não ser" para o negativo e "ser" para o positivo.

Parmênides via as mudanças físicas que ocorrem no mundo como uma mistura onde participam o ser e o não ser, resultando  num vir a ser. A mistura é feita pelo desejo e quando o desejo é satisfeito o ser e o não ser novamente se separam. O filósofo conclui assim que a mudança é uma ilusão. Somente existem o ser e o não ser, o vir a ser é portanto uma ilusão dos nossos sentidos.

A filosofia de Parmênides se apresenta como um contraste entre a verdade e a aparência. A aparência é percebida pelos sentidos que nos mostram o ser e o não ser e nos levam a diversos erros. Já a verdade somente pode ser buscada pela razão, que para Parmênides demonstra que não podemos pensar o não ser, pois não podemos pensar sem que esse pensar seja sobre algo. Pensar sobre nada é não pensar da mesma forma que dizer nada é não dizer. Somente podemos pensar e expressar o que pensamos através de um objeto e esse objeto já é algo, já é um ser. Ele conclui que o ser é e não pode não ser e através dessa ideia ele expressa sua principal tese filosófica que vai dirigir toda sua investigação racional. Ele cria assim os principais fundamentos da ontologia que é vista como metafísica pois o ser não é somente o ser da natureza, mas também o ser do homem e das suas ações, e mais ainda, é o ser de qualquer coisa que possa ser pensada.

Sentenças:
- O ser é e não pode não ser.
- O pensamento e o ser são a mesma coisa.
- O ser é imóvel porque se se movesse poderia vir a ser e então seria e não seria ao mesmo tempo.

Referência:

http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=15

PITÁGORAS

PITÁGORAS

Pitágoras (580-497 a. C.) foi um importante matemático e filósofo grego da Antiguidade. Autor do “Teorema de Pitágoras”. Desenvolveu trabalhos na área da matemática, geografia, música, medicina e filosofia.

Pitágoras nasceu na ilha de Samos, no mar Egeu, Grécia, provavelmente no ano de 580 a. C. Ainda jovem impressionava os mestres das escolas de Samos. Com 16 anos de idade, foi enviado para Mileto, para estudar com Tales, o maior sábio da época, que impressionado com os conhecimentos do aluno, passou a estudar suas descobertas de Geometria e Matemática.

Em busca de novos conhecimentos, Pitágoras viajou pela Síria, Arábia, Caldeia, Pérsia, Índia e Egito, onde morou por mais de vinte anos, e se tornou sacerdote. Observando as pirâmides, desenvolveu o importante “Teorema de Pitágoras”, que na linguagem dos matemáticos, diz que a soma dos quadrados dos catetos (lados menores) é igual ao quadrado da hipotenusa (o lado maior).

Em 529 a. C. de volta a Samos, é expulso pelo ditador Polícrates, que proibia escolas e templos. Seguiu para o sul da Itália, em Crotone, onde fundou uma irmandade religiosa, dedicada à Matemática, à Religião, à Filosofia e Política.

Pitágoras e seus adeptos acreditavam que a alma humana fosse imortal e retornasse a Terra, sempre em diferentes pessoas. Atribui-se a Pitágoras o desenvolvimento do sistema decimal, da tábua de multiplicação e das proporções aritméticas. Os pitagóricos deram a Copérnico a primeira ideia de que o Sol era o centro do Universo. Acreditava que a Terra, as estrelas, os planetas e o Universo como um todo eram esféricos e que os caminhos percorridos pelos planetas fossem circulares.

Como matemático Pitágoras não se contentava em dizer frases, tudo era provado geometricamente com um teorema, entre eles: a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual à soma de dois ângulos retos. O volume de um cubo é igual a sua aresta multiplicada três vezes por si mesma, originando a expressão “elevar ao cubo”.

Pitágoras faleceu provavelmente no ano de 497 a. C. em Metaponto, região sul da Itália.

HERÁCLITO

HERÁCLITO

Heráclito de Éfeso é um dos meus pensadores prediletos do período grego antigo, de incrível originalidade, este pensador influenciou muitas vertentes filosóficas, sobretudo, o pensamento dialético; por assim dizer, Heráclito é considerado o “pai da dialética”. Entre os principais filósofos que foram influenciados por Heráclito, podemos citar Nietzsche, Heidegger, Marx, Engels, Hegel, entre outros. Atualmente, quem faz uma retomada do pensamento heraclitiano para fundamentar o corpo teórico do pensamento complexo é o “sociólogo” francês Edgar Morin.

Didaticamente, a filosofia grega é dividida em quatro períodos: pré-socráticosocrático ouantropológicosistemático e helenístico ou greco-romano. Heráclito é pré-socrático, porém, é preciso cuidado com o termo. Ao usar Sócrates como uma divisória do pensamento filosófico da Grécia Antiga, a Filosofia atribui a ingênua idéia de que qualquer pensador desse período, senão Sócrates, Platão e Aristóteles, padecem de importância. – Usamos o termo aqui, meramente, como recurso didático.

De fato, o que vingou e que ainda impregna o modo de pensamento ocidental, está dentro dos moldes do pensamento socrático-platônico-aristotélico; o platonismo se confunde com o cristianismo. Nesse sentido, é bem possível dizer que o nosso pensamento, nossa visão de mundo e formas de conceber os fenômenos estão esmeradamente engendrados por um forte escolasticismo.
Heráclito e outros filósofos pré-socráticos estavam interessados em fundamentar a origem do mundo e das transformações da Natureza: cosmologia. Entre as principais características do pensamento pré-socrático – e da cosmologia – podemos citar:
·                     
Busca por uma explicação racional e sistemática sobre a origem e transformações da Natureza, tendo em vista também, desvelar o devir da vida humana.
·                    
Nega que o mundo tenha surgido do nada, isto significa que o mundo ou a Natureza são eternos e que tudo se transforma em outra coisa sem extinguir.
·                     
No plano do eterno nada se perde, tudo se transforma, tudo vai e volta, e nessa dinâmica o elemento primordial é chamado physis (fazer, surgir, brotar, produzir). Aphysis seria a Natureza eterna.
·                     
Afirma que todos os seres vivos são gerados e mortais, e estão em contínua transformação; o mundo ou a Natureza também estão em contínua transformação, sendo o movimento do mundo denominado devir.
·                     
Apreensão dos opostos como complementares e não opositores (viver de morte e morrer de vida).
O pensamento dos pré-socráticos não era linear nem opositor, pelo contrário, a dialética enquanto método de pensamento, permitia o movimento de comportar a circularidade de um pensamento capaz de apreender as transformações contínuas do universo. No entanto, esse raciocínio dinâmico não vingou como o pensamento platônico-socrático que corresponde a uma formalinear-causal na busca de compreensão dos fenômenos, aqui os opostos não comportam união (é certo ou errado, verdade ou mentira, bem ou mal…), há uma supremacia estática de verdade, ou éou não é.

O pensamento platônico-socrático vingou de tal maneira no mundo ocidental que o cristianismo nada mais é que um platonismo (Nietzsche) e a cartada final, dada por Descartes, reforçaria ainda mais o pensamento dualista. Assim, juntamente com as bases socrático-platônicas, o pensamento cartesiano da filosofia moderna se configura como um molde no qual os vários campos das ciências se firmariam, e claro, nós, no dia-a-dia, usamos e abusamos dessa forma de raciocínio.

Felizmente os abalos existenciais do século XIX têm possibilitado o surgimento de novos modelos de pensamento das quais destitui-se o caráter supremo da Razão – que nada mais é do que o deus monoteísta disfarçado de científico. A desconstrução dessa razão sugere uma razão consciente de suas limitações, lança-se ao mundo na busca de compreender os fenômenos em sua totalidade mesmo sabendo que é impossível. Atenta-se para a dinâmica das transformações que permitem um pensamento dinâmico, comportando aspectos de complexidade, totalidade e circularidade.

Aforismos de Heráclito

Heráclito escreveu em forma de aforismos, que por si só não comporta um pensamento sistematizado e punge no leitor, não uma, mas várias interpretações, dependendo da perspectiva adota, dai uma das dificuldades de interpretação e aviltamento pensamento heraclitiano, uma vez que a ciência tradicional exige sistematizações metodológicas. Um dos pensamentos de Heráclito que mais gosto é:
Imortais, mortais; mortais, imortais. A vida destes é a morte daqueles e a vida daqueles a morte destes.

Heráclito está apontando para a matéria em suas transformações, isto é, a matéria não se perde, se transforma. Nos diz ainda que vivemos de morte e morremos de vida. Ficou difícil? – Imagine o ciclo natural dos seres vivos, necessariamente, devemos nos alimentar de outros seres vivos (viver da morte) que por fim, também são alimentados por outros seres vivos ou morrem e dispersam seus componentes orgânicos na Natureza (morrer de vida). Assim, nesse ciclo eterno da Natureza, onde tudo se transforma, a mortalidade é imortalizada. Aqui vemos e morte e vida, não em oposição, mas sim, enquanto forças tensionais de complementaridade.



Heráclito, considerado um dos filósofos pré-socráticos mais importantes, nasceu em Éfeso, região da Jônia, por volta de 540 a.C., tornou-se conhecido como o ‘pai da dialética’, pois abordava a questão do devir – o vir a ser, as mutações. Avesso à vida em sociedade, de natureza triste e arrogante, era chamado de ‘Obscuro’, por rejeitar a vida pública, desconsiderar a arte, a filosofia e a religião, bem como por ter escrito uma obra – “Sobre a Natureza” – considerada pouco inteligível em seu estilo. 

Depois de algum tempo, radicalizou sua filosofia de vida e passou a viver isolado nas montanhas.
Apesar de tudo, ele expressou com intensidade a questão da singularidade constante do Homem em vista da diversidade e da mutação dos objetos efêmeros. Ele comprovou a realidade do ‘Logos’, uma lei geral que governa todos os eventos de natureza privada e é o alicerce da ordem universal, de uma harmonia constituída por oposições internas. Seus ensinamentos são polêmicos até hoje. De sua produção filosófica restaram os aforismos - sentenças que em poucas palavras revelam uma regra ou um princípio de longo alcance -, reproduzidos ao longo dos séculos pelos mais variados escritores. 

Eles foram produzidos por Heráclito em um estilo próprio dos oráculos.
Segundo Heráclito, o fluxo permanente define a harmonia universal. Tudo se move, nada se fixa na imutabilidade. Ele costumava repetir uma frase que se tornou célebre – ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários. Para este filósofo, a dialética pode ser exterior – um raciocínio de dentro para fora - e imanente do objeto – quando se foca na observação atenta do ser. Heráclito entende este processo dialético como um princípio.

Deste conflito entre os opostos é que nasce a concórdia, a harmonia. Isto permite que o Ser seja uno ao mesmo tempo em que se encontra mergulhado nas constantes mutações do contexto que o envolve. Ele ainda afirma que os contrários ocupam perfeitamente o mesmo espaço, simultaneamente, como o início e o final de uma esfera. Partindo destes postulados, Heráclito estabeleceu uma ‘arché’, ou seja, uma origem de tudo que há – o fogo, para ele o elemento primordial entre os outros que constituem o universo: água, terra, ar. Sob seu ponto de vista, esta substância transmuta-se em tudo que existe, assim como tudo nela se transforma – percebe-se, assim, um fluxo constante de mutação.

Embora tudo pareça obscuro em Heráclito, ele foi com certeza um filósofo notável e acalentou em seu intelecto incomum profundas reflexões. Ele mergulhou na compreensão da essência do ser e de tudo que existe, e possivelmente foi um homem além de seu tempo. Talvez por isso se sentisse tão deslocado entre seus contemporâneos.


A ÚNICA COISA QUE NÃO MUDA É QUE TUDO MUDA: A IDEIA DO DEVIR NA FILOSOFIA DE HERÁCLITO


Você acha que tudo na vida muda o tempo inteiro ou a vida permanece sempre a mesma, como se tudo fosse definitivo? Você consegue se imaginar daqui a 10 anos? Você ainda será você, porém uma versão melhorada de você. Neste artigo verificamos que não nascemos prontos e (também) não morremos prontos. Você é hoje a sua melhor versão e, provavelmente, amanhã será ainda melhor. Será uma pessoa com mais experiência, com uma nova percepção da vida, dos fatos e das situações que lhe aconteceram e acontecem, tudo depende do modo como você encara a vida.

Você acha que tudo na vida muda o tempo inteiro ou a vida permanece sempre a mesma, como se tudo fosse definitivo? Os primeiros filósofos gastaram bastante tempo discutindo sobre essas questões há mais de 2.500 anos na Grécia Antiga.
Para começarmos a pensar sobre o assunto, proponho o seguinte:
Tente fazer um pequeno exercício de memória e experimente voltar 10 anos atrás. Recorde seus sonhos, seu jeito de ser, seus temores e preocupações. Volte um pouco mais e relembre sua infância, quando ainda era uma criança indefesa e tinha medos simples, como dormir no escuro, medo de ficar sozinho em casa ou mesmo dos sons que sua casa fazia durante a noite.
Agora, adiante no tempo a partir deste ponto e reviva sua adolescência. Relembre as revoltas sem motivo algum, das brigas com seus pais por querer ser independente (mesmo ainda morando com eles e dependendo dos poucos trocados que recebia no início do mês), do desejo de ser alguém que fosse lembrado, da vontade de viajar pelo mundo e conhecer novas pessoas. Relembre a dor que sentiu ao fazer a primeira tatuagem e da absoluta certeza de que faria muitas outras e que jamais se arrependeria delas.
Agora volte ao presente e perceba o quanto você mudou. Talvez alguns de seus sonhos não tenham se realizado, mas certamente outros novos surgiram no meio do caminho e lhe transformaram no que é hoje e, com certeza, outros novos sonhos e novas experiências lhe modificarão no futuro.
Você consegue se imaginar daqui a 10 anos?
Você ainda será você, porém uma versão melhorada de você. Não nascemos prontos e não morremos prontos. Você é hoje a sua melhor versão e, provavelmente, amanhã será ainda melhor. Será uma pessoa com mais experiência, com uma nova percepção da vida, dos fatos e das situações que lhe aconteceram e acontecem. Não foi somente sua aparência que sofreu mudanças pelo decurso do tempo. Você mesmo mudou, ainda que não se dê conta disso por completo.
Assim como os seres humanos, tudo que nos cerca está em constante mudança, porém nem sempre para melhor. Para Heráclito, filósofo nascido em Éfeso por volta de 540 a.C., tudo que existe está em transformação. Ele é considerado o pai da dialética e chamou de “devir” a constante mudança do mundo. É dele a frase “nada é permanente, exceto a mudança” e também “ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras”.
Heráclito não era uma pessoa que poderíamos chamar de amigável. Era avesso à vida social e não gostava muito de arte, religião e filosofia. Por isso era chamado de “obscuro”. Sua obra intitulada “Sobre a Natureza” foi considerada de difícil entendimento na época. Passou o resto de sua vida recluso nas montanhas, longe de qualquer convívio social.
Esse conceito criado por Heráclito, o devir, diz que o mundo é constituído pelos opostos. É um fluxo constante que está presente em tudo no Universo. É uma mudança que nasce a partir do conflito entre os contrários. O pensamento filosófico dele declara que os opostos se complementam. O quente e o frio, o bem e o mal, a vida e a morte, a juventude e a velhice, a alegria e a tristeza são todas situações e emoções que se completam, na medida em que um não pode existir sem o outro, pelo simples fato de que não podemos ter a noção de felicidade sem experimentar a tristeza ou não conseguirmos definir se algo está gelado sem antes ter a percepção do que seja algo quente.
O devir representa sempre uma alternância entre os contrários. Essa guerra entre os opostos é a realidade, aquilo que podemos afirmar que existe. Para Heráclito, “a doença faz da saúde algo agradável e bom”, pois na ausência de doenças jamais iríamos valorizar a saúde, pois não saberíamos que seria algo agradável (saúde) em comparação a algo ruim (doenças).
Para o filósofo, esse fluxo permanente entre os opostos não produz o caos. Pelo contrário, é ele que garante a harmonia do Universo. Assim como uma esfera, que não se sabe onde começa e termina, os contrários ocupam o mesmo espaço, numa perfeita harmonização. Nessa harmonia, os opostos se coincidem do mesmo modo que o princípio e o fim, o quente e o frio (pois o frio é o mesmo quente quando muda) ou subir e descer um caminho. Nas palavras de Heráclito, “o caminho que desce e o caminho que sobe são os mesmos”.
A ideia da unidade dos contrários representa uma das ideias mais originais do pensamento de Heráclito, em que o segredo do universo está na eterna luta entre os opostos, mas sem um vencedor, já que um depende do outro para existir, ou, mais precisamente, são versões diferentes da mesma coisa.
Devido à essa constante transformação, a verdade é dialética, ou seja, as palavras dizem as coisas em um constante estado de mudanças. Nossa percepção do mundo usando apenas nossos sentidos nos enganam, pois seria uma percepção limitada, já que contemplamos o mundo de forma imóvel, estática e imutável. Já a percepção do pensamento é capaz de contemplar a instabilidade e constante mutação das coisas e dos seres.
Heráclito concebeu o fogo como a “arché” (origem de tudo que há), como o elemento principal e transformador de todas as coisas. Para ele, tudo tem origem na rarefação (quando a densidade de um corpo diminui, mas seu volume aumenta) e flui como um rio. O sentido e o significado das coisas se encontra na conciliação entre os diversos pares de opostos.
É interessante percebermos como a filosofia heraclitiana permanece atual. Em relação à essa constante mudança e luta entre os contrários, no que se refere à matéria, esta se encontra em constante mutação. Nas palavras do químico Lavoisier (1743-1794), famoso químico francês e considerado pai da química moderna, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Encontramos marcas da atualidade do pensamento de Heráclito no Princípio da Incerteza de Heisenberg, físico teórico alemão ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1932, que afirma ser impossível garantir a exata posição de um elétron no átomo devido à própria natureza das partículas.
Encontramos a aplicação do devir em nosso metabolismo, pois na medida em que ingerimos matéria para o crescimento e manutenção de nosso corpo, perdemos matéria devido ao natural desgaste físico com a idade.
Assim, a vida é uma constante mudança, um clico de transformações. Para Heráclito, a vida considerada como algo imutável é uma ilusão. Para ele, tudo se movimenta, nada se fixa na imutabilidade. Apesar de nossos olhos nos darem a impressão da estática das coisas, a realidade é fruto da mudança. Ou seja, a única realidade que existe é a mudança. O “Lógos”, para a filosofia heraclitiana, é o princípio de inteligibilidade, é a razão, o princípio maior da unificação, é mudança e contradição que se harmonizam.
Quando estamos dirigindo ou mesmo parados contemplando a beleza do pôr do sol, a impressão que temos é que a paisagem ao nosso redor está parada, totalmente estática, quando, na verdade, todos estamos em movimento ao redor do Sol, que também faz seu movimento ao redor do centro da Galáxia, que, por sua vez, segue a órbita do centro de massa do Universo.
Apesar de parecer estarmos todos parados, nos encontramos numa velocidade de aproximadamente 108 mil km/h ao redor do Sol! Ou seja, nem o Universo e nem nós nos encontramos em estado de estabilidade. Tudo que existe está em processo de mudança. Mesmo Heráclito tendo nascido muitos séculos antes das contemporâneas teorias que tentam explicar a origem do Universo, para o pensador grego, o Universo sempre existiu e nunca terá um fim, pois existirá sempre num clico de eterna mutabilidade.

Vida de Heráclito


Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas reais (descendentes do fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e melancólico ficou proverbial em toda a antigüidade. Desprezava a plebe. Recusou-se sempre a intervir na política. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filósofos de seu tempo e até contra a religião. Sem ter sido mestre, Heráclito escreveu um livro Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas de forma tão concisa que recebeu o cognome de Skoteinós, o Obscuro. Floresceu em 504-500 a.C. - Heráclito é por muitos considerados o mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões, "como a do arco e da lira".


Filosofia de Heráclito


Heráclito concebe o próprio absoluto como processo, como a própria dialética. A dialética é:
A. Dialética exterior, um raciocinar de cá para lá e não a alma da coisa dissolvendo-se a si mesma;
B. Dialética imanente do objeto, situando-se, porém, na contemplação do sujeito;
C. Objetividade de Heráclito, isto é, compreender a própria dialética como princípio.

É o progresso necessário, e é aquele que Heráclito fez. O ser é o um, o primeiro; o segundo é o devir - até esta determinação avançou ele. Isto é o primeiro concreto, o absoluto enquanto nele se dá a unidade dos opostos. Nele encontra-se, portanto, pela primeira vez, a idéia filosófica em sua forma especulativa; o raciocínio de Parmênides e Zenão é entendimento abstrato; por isso Heráclito foi tido como filósofo profundo e obscuro e como tal criticado.

O que nos é relatado da filosofia de Heráclito parece, à primeira vista, muito contraditório; mas nela se pode penetrar com o conceito e assim descobrir, em Heráclito, um homem de profundos pensamentos. Ele é a plenitude da consciência até ele - uma consumação da idéia na totalidade que é o início da Filosofia ou expressa a essência da idéia, o infinito, aquilo que é.


O Princípio Lógico


O princípio universal. Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda: "O ser não é mais que o não-ser", nem é menos; ou ser e nada são o mesmo, a essência é mudança. O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos; nos eleatas, temos apenas o entendimento abstrato, isto é, apenas o ser é. Dizemos, em lugar da expressão de Heráclito: O absoluto é a unidade do ser e do não-ser. Se ouvimos aquela frase "O ser não é mais que o não-ser", desta maneira, não parece, então, produzir muito sentido, apenas destruição universal, ausência de pensamento. Temos, porém, ainda uma outra expressão que aponta mais exatamente o sentido do princípio. Pois Heráclito diz: "Tudo flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo". E Platão ainda diz de Heráclito: "Ele compara as coisas com a corrente de um rio - que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente"; o rio corre e toca-se outra água. Seus sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar, pois que imediatamente se transforma; o que é, ao mesmo tempo já novamente não é. Além disso, Aristóteles diz que Heráclito afirma que é apenas um o que permanece; disto todo o resto é formado, modificado, transformado; que todo o resto fora deste um flui, que nada é firme, que nada se demora; isto é, o verdadeiro é o devir, não o ser - a determinação mais exata para este conteúdo universal é o devir. Os eleatas dizem: só o ser é, é o verdadeiro; a verdade do ser é o devir; ser é o primeiro pensamento enquanto imediato. Heráclito diz: Tudo é devir; este devir é o princípio. Isto está na expressão: "O ser é tão pouco como o não-ser; o devir é e também não é". As determinações absolutamente opostas estão ligadas numa unidade; nela temos o ser e também o não-ser. Dela faz parte não apenas o surgir, mas também o desaparecer; ambos não são para si, mas são idênticos. É isto que Heráclito expressou com suas sentenças. O não ser é, por isso é o não-ser, e o não-ser é, por isso é o ser; isto é a verdade da identidade de ambos.

É um grande pensamento passar do ser para o devir; é ainda abstrato, mas, ao mesmo tempo, também é o primeiro concreto, a primeira unidade de determinações opostas. Estas estão inquietas nesta relação, nela está o princípio da vida. Com isto está preenchido o vazio que Aristóteles apontou nas antigas filosofias - a falta de movimento; este movimento é aqui, agora mesmo, princípio.

É uma grande convicção que se adquiriu, quando se reconheceu que o ser e o nada são abstrações sem verdade, que o primeiro elemento verdadeiro é o devir. O entendimento separa a ambos como verdadeiros e de valor; a razão, pelo contrário, reconhece um no outro, que num está contido seu outro - e assim o todo, o absoluto deve ser determinado como o devir.

Heráclito também diz que os opostos são características do mesmo, como, por exemplo, "o mel é doce e amargo" - ser e não-ser ligam-se ao mesmo. Sexto observa: Heráclito parte, como os céticos, das representações correntes dos homens; ninguém negará que os sãos dizem do mel que é doce, e os que sofrem de icterícia que é amargo - se fosse apenas doce, não poderia modificar sua natureza através de outra coisa e assim também para os que sofrem de icterícia seria doce. Zenão começa a sobressumir os predicados opostos e aponta no movimento aquilo que se opõe - um por limites e um sobressumir os limites; Zenão só exprimiu o infinito pelo seu lado negativo - , por causa de sua contradição, como o não verdadeiro. Em Heráclito, vemos o infinito como tal expresso como conceito e essência: o infinito, que é em si e para si, é a unidade dos opostos e, na verdade, dos universalmente opostos, da pura oposição, ser e não-ser. Tomamos nós o ente em si e para si, não a representação do ente, do pleno, assim o puro ser é o pensamento simples, em que todo o determinado é negado, o absolutamente negativo - nada é o mesmo, apenas este igual a si mesmo - , passagem absoluta para o oposto, ao qual Zenão não chegou! "Do nada, nada vem." Em Heráclito o momento da negatividade é imanente; disto trata o conceito de toda a Filosofia.

Primeiro tivemos a abstração de ser e não-ser, numa forma bem imediata e universal; mais exatamente, porém, também Heráclito concebeu as oposições de maneira mais determinada. É esta unidade de real e ideal, de objetivo e subjetivo; o objetivo somente é o devir subjetivo. Este verdadeiro é o processo do devir; Heráclito expressou de modo determinado este pôr-se numa unidade das diferenças. Aristóteles diz, por exemplo, que Heráclito "ligou o todo e o não-todo" (parte) - o todo se torna parte e a parte o é para se tornar o todo - , o "que se une e se opõe", do mesmo modo, "o que concorda e o dissonante"; e de que de tudo (que se opõe) resulta um, e de um tudo. Este um não é o abstrato, a atividade de dirimir-se; a morta infinitude é uma má abstração em oposição a esta profundidade que vemos em Heráclito. Sexto Empírico cita o seguinte que Heráclito teria dito: A parte é algo diferente do todo; mas é também o mesmo que o todo é; a substância é o todo e a parte. O fato de Deus ter criado o mundo Ter-se dividido a si mesmo, gerado seu Filho, etc. - todos estes elementos concretos estão contidos nesta determinação. Platão diz, em seu Banquete, sobre o princípio de Heráclito: "O um, diferenciado de si mesmo, une-se consigo mesmo" - este é o processo da vida, "como a harmonia do arco e da lira". Deixa então que Erixímaco, que fala no Banquete, critique o fato de a harmonia ser desarmônica ou se componha de opostos, pois que a harmonia se formaria de altos e baixos, mas da unidade pela arte da música. Mas isto não contradiz Heráclito, que justamente quer isto. O simples, a repetição de um único som não é harmonia. Da harmonia faz parte a diferença; é preciso que haja essencial e absolutamente uma diferença. Esta harmonia é precisamente o absoluto devir, transformar-se - não devir outro, agora este, depois aquele. O essencial é que cada diferente, cada particular seja diferente de um outro - mas não de um abstrato qualquer outro, mas de seu outro; cada um apenas é, na medida em que seu outro em si esteja consigo, em seu conceito. Mudança é unidade, relação de ambos a um, um ser, este e o outro. Na harmonia e no pensamento concordamos que seja assim; vemos, pensamos a mudança, a unidade essencial. O espírito relaciona-se na consciência com o sensível e este sensível é seu outro. Assim também no caso dos sons; devem ser diferentes, mas de tal maneira que também possam ser unidos - e isto os sons são em si. Da harmonia faz parte determinada oposição, seu oposto, como nas harmonia das cores. A subjetividade é o outro da objetividade, não de um pedaço de papel - o absurdo disto logo se mostra - , deve ser seu outro, e nisto reside sua identidade; assim cada coisa é o outro do outro enquanto seu outro. Este é o grande princípio de Heráclito; pode parecer obscuro, mas é especulativo; e isto é, para o entendimento que segura para si o ser, o não-ser, o subjetivo e objetivo, o real e o ideal, sempre obscuro.


Os Modos da Realidade


Heráclito não ficou parado, em sua exposição, nesta expressão em conceitos, no puro lógico, mas além desta forma universal, na qual expôs seu princípio, deu à sua idéia também uma expressão real. Esta figura pura é precipuamente de natureza cosmológica, ou sua forma é mais a forma natural; por isso, é incluído ainda na Escola Jônica, e com isto deu novos impulsos à filosofia da natureza. Sobre esta forma real de seu princípio os historiadores, contudo, não estão de acordo entre si. A maioria diz que ele teria posto a essência ontológica como fogo, outros dizem que como ar, outros dizem que antes o vapor que o ar; mesmo o tempo é citado, em Sexto, como o primeiro ser do ente. A questão é a seguinte: Como compreender esta diversidade? Não se deve absolutamente crer que se deva atribuir estas notícias à negligência dos escritores, pois as testemunhas são as melhores, como Aristóteles e Sexto Empírico, que não falam destas formas de passagem, mas de modo bem determinado, sem, no entanto, chamar a atenção para estas diferenças e contradições. Uma outra razão mais próxima parece-nos resultar da obscuridade do escrito de Heráclito, o qual, na confusão de seu modo de expressão, poderia dar motivos para mal-entendidos. Mas, considerando mais detidamente, esta dificuldade desaparece; esta mostra-se mais para uma análise superficial; no conceito profundo de Heráclito acha-se a verdadeira saída deste empecilho. De maneira alguma podia Heráclito afirmar, como Tales, que a água ou o ar ou coisa semelhante seria a essência absoluta; e não o podia afirmar como um primeiro donde emanaria o outro, na medida em que pensou ser como idêntico como o não-ser ou no conceito infinito. Assim, portanto, a essência absoluta que é não pode surgir nele como uma determinidade existente, por exemplo, a água, mas a água enquanto se transforma, ou apenas o processo.

A. - Processo abstrato, tempo. Heráclito, portanto, disse que o tempo é o primeiro ser corpóreo, como exprime Sexto. "Corpóreo" é uma expressão inadequada. Os céticos escolhiam muitas vezes as expressões mais grosseiras ou tornavam os pensamentos grosseiros para mais facilmente liquidá-los. "Corpóreo" significa sensibilidade abstrata; o tempo é a intuição abstrata do processo; diz que ele é o primeiro ser sensível. O tempo, portanto, é a essência verdadeira. Na medida em que Heráclito não parou na expressão lógica do devir, mas deu a seu princípio a forma de um ente, deduz-se disto que primeiro tinha que oferecer-se a forma do tempo; pois precisamente, no sensível, no que se pode ver, o tempo é o primeiro que se oferece como o devir; é a primeira forma do devir. Enquanto intuído, o tempo é o puro devir. O tempo é puro transformar-se, é o puro conceito, o simples, que é harmônico a partir de absolutamente opostos. Sua essência é ser e não-ser, sem outra determinação - ser puro e abstrato não-ser, postos imediatamente numa unidade e ao mesmo tempo separados. Não como se o tempo fosse e não fosse, mas o tempo é isto: no ser imediatamente não-ser e no não-ser imediatamente ser - esta mudança de ser para não-ser, este conceito abstrato, é, porém, visto de maneira objetiva, enquanto é para nós. No tempo não é o passado e o futuro, somente o agora; e este é, para não ser, está logo destruído, passado - e este não-ser passa, do mesmo modo, para o ser, pois ele é. É a abstrata contemplação desta mudança. Se tivéssemos de dizer como aquilo que Heráclito reconheceu como a essência existe para a consciência, nesta pura forma em que ele o reconheceu, não haveria outra que nomear a não ser o tempo; é, por conseguinte, absolutamente certo que a primeira forma do que devém é o tempo; assim isto se liga ao princípio do pensamento de Heráclito.

B. - A forma real como processo, fogo. Mas este puro conceito objetivo deve realizar-se mais. No tempo estão os momentos, ser e não-ser, postos apenas negativamente ou como momentos que imediatamente desaparecem. Além disso, Heráclito determinou o processo de um modo mais físico. O tempo é intuição, mas inteiramente abstrata. Se quisermos representar-nos o que ele é, de modo real, isto é, expressar ambos os momentos como uma totalidade para si, como subsistente, então levanta-se a questão: que ser físico corresponde a esta determinação? O tempo, dotado de tais momentos, é o processo; compreender a natureza significa apresentá-la como processo. Este é o elemento verdadeiro de Heráclito e o verdadeiro conceito; por isso, logo compreendemos que Heráclito não podia dizer que a essência é o ar ou a água ou coisas semelhantes, pois eles mesmos não são (isto é o próximo) o processo. O fogo, porém, é o processo: assim afirmou o fogo como a primeira essência - e este é o modo real do processo heracliteano, a alma e a substância do processo da natureza. Justamente no processo distinguem-se os momentos, como no movimento: 1. o puro momento negativo, 2. os momentos da oposição subsistente, água e ar, e 3. a totalidade em repouso, a terra. A vida da natureza é o processo destes momentos: a divisão da totalidade em repouso da terra na oposição, o pôr desta oposição, destes momentos - e a unidade negativa, o retorno para a unidade, o queimar da oposição subsistente. O fogo é o tempo físico; ele é esta absoluta inquietude, absoluta dissolução do que persiste - o desaparecer de outros, mas também de si mesmo; ele não é permanente. Por isso compreendemos (é inteiramente conseqüente) por que Heráclito pode nomear o fogo como o conceito do processo de sua determinação fundamental.

C. - O fogo está agora mais precisamente determinado, mais explicitado como processo real; ele é para si o processo real, sua realidade é o processo todo no qual, então, os momentos são determinados mais exata e concretamente. O fogo, enquanto o metamorfosear-se das coisas corpóreas, é mudança, transformação do determinado, evaporação, transformação em fumaça; pois ele é, no processo, o momento abstrato do mesmo, não tanto o ar como antes a evaporação. Para este processo Heráclito utilizou uma palavra muito singular: evaporação (anathymíasis) (fumaça, vapores do sol); evaporação é aqui apenas a significação superficial - é mais: passagem. Sob este ponto de vista, Aristóteles diz de Heráclito que, segundo sua exposição, o princípio era a alma, por ser ela a evaporação, o emergir de tudo, e este evaporar-se, devir, seria o incorpóreo e sempre fluído. As determinações mais próximas deste processo real são, em parte, falhas e contraditórias. Sob este ponto de vista, afirma-se, em algumas notícias, que Heráclito teria determinado o processo assim: "As formas (mudanças) do fogo são, primeiro, o mar e, então, a metade disto, terra, e a outra metade, o raio" - o fogo em sua eclosão. Este é universal e muito obscuro. A natureza é assim esse círculo. Neste sentido ouvimo-lo dizer: "Nem um deus nem um homem fabricou o universo mas sempre foi e é e será um fogo sempre vivo, que segundo suas próprias leis (métro) se acende e se apaga.". Compreendemos o que Aristóteles cita, que o princípio é a alma, por ser a evaporação, este processo do mundo que a si mesmo se move; o fogo é a alma. No que se refere ao fato de Heráclito afirmar que o fogo é vivificante, a alma, encontra-se uma expressão que pode parecer bizarra, isto é, que a alma mais seca é a melhor. Nós certamente não tomamos a alma mais molhada como a melhor, mas, pelo contrário, a mais viva; seco quer dizer aqui cheio de fogo: assim a alma mais seca é o fogo puro, e este não é a negação do vivo, mas a própria vida. Para retornar a Heráclito: ele é aquele que primeiro expressou a natureza do infinito e que compreendeu a natureza como sendo em si infinita, isto é, sua essência como processo. É a partir dele que se deve datar o começo da existência da Filosofia; ele é a idéia permanente, que é a mesma em todos os filósofos até os dias de hoje, assim como foi a idéia de Platão e Aristóteles.
"Os homens são deuses mortais e os deuses, homens imortais; viver é-lhes morte e morrer é-lhes vida".
"Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos".
© Texto elaborado por Rosana Madjarof

OBRAS UTILIZADAS

DURANT, Will, História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.


REFERÊNCIA

DISTINÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL

Conceitos de Ética e Moral com base em filósofos Distinção entre Ética e Moral https://karenelisabethgoes.jusbrasil.com.br/artigos/1452...