domingo, 15 de outubro de 2017

A ÉTICA NO ESTOICISMO

A ÉTICA NO ESTOICISMO
As condições políticas nas quais se desenvolve a reflexão filosófica depois de Platão e Aristóteles estão profundamente mudadas. Entre grandes disputas, mesmo sufocadas com sangue sob o jugo de Tebas e o esfacelamento dos Macedônios, a Grécia não consegue restituir sua independência. Com isso a política é subjugada, e a Hélade conquista o mundo com sua cultura, que encontra abertos à sua frente novos horizontes e novas vias para estender-se mais e, ao mesmo tempo, para enriquecer-se mais pela assimilação de novas ideias.
Acontece que o que se ganha em extensão se perde em profundidade. Por outro lado, depois do esforço especulativo que o pensamento grego sustentou durante três séculos para resolver o mistério do universo, especialmente depois das grandiosas construções da Platão e Aristóteles, é compreensível que o vigor especulativo se tenha atenuado e estancado por cansaço e exaustão. O período helenístico caracteriza-se como período de erudição, de crítica penetrante e de sábia reelaboração das conquistas do passado (no campo filosófico e literário).
A pesquisa filosófica no período helenístico tem um sentido eminentemente ético, razão pela qual é usualmente denominado período ético. Além do problema da moral, os filósofos também se ocupam de problemas relacionados à física e a lógica. De modo diferente de resolver os problemas relativos ao Sumo Bem e a verdade é que nascem os quatro grandes movimentos filosóficos do período helenístico: estóico, epicurista, cético e eclético.
Em ordem de tempo e importância, o primeiro movimento filosófico do período helenístico é o dos estóicos. O estoicismo é uma doutrina essencialmente moral que contém também algumas doutrinas importantes sobre o conhecimento humano e sobre a estrutura do cosmo.
Dessa forma, a filosofia estóica formou-se pela ação de três filósofos, que um depois do outro, deram cada um a própria original e conspícua contribuição às doutrinas da Escola, chamada “Estoicismo (...) um dos três principais movimentos que constituem a filosofia helenística”[1]., que em sua doutrina preocupava-se em seu sentido ético refletir sobretudo uma norma de vida, o segredo da felicidade, um princípio de conduta que assegure a paz da alma.
[1] Dicionário de filosofia de Cambridge. Dirigido por Robert Audi; (tradução João Paixão Netto; Edwino Aloysius Royer et al.). São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção dicionários) p. 293


Aspectos Históricos
As origens do estoicismo estão ligadas a Zenon de Cítio (336 -264 a.C.), que, após ter ouvido as lições do cínico Crates e de alguns seguidores de Platão, por volta do ano 306, começou a ministrar as suas lições debaixo de um pórtico (stóa) de Atenas. Assim, teve início uma nova escola filosófica.
Com cerca de 42 anos, Zenão começa a ensinar e funda uma escola; os seus alunos foram primeiramente designados por Zenonianos, depois, segundo o costume de dar a uma escola o nome do lugar onde estava estabelecida, chamou-se-lhes Estóicos. Estoicismo deriva, com efeito, da palavra grega stoa que significa pórtico, porque Zenão ensinava perto do Pórtico Poecilo, assim designado – poecilo significa revestido de pinturas – porque Polignote o decorara pinturas para purificar este lugar onde, sob a tirania dos Trinta, mais de mil e quatrocentos cidadãos haviam sido massacrados; a expressão sinônima [filosofia do pórtico] é utilizada muitas vezes para designar o estoicismo.[1]
As lições de Zenon tornaram-se muito concorridas e, em pouco tempo, formou-se um numeroso grupo de fiéis seguidores de suas doutrinas; entre estes, encontravam-se pessoas famosas da vida política ateniense, como o rei Antígano Ganatas.
As ideias estóicas tiveram ampla aceitação e, por longo tempo, difundiram-se por todos os lugares onde fez eco a cultura grega: em Roma, no Médio Oriente, na África. O próprio cristianismo teve simpatia por algumas de suas ideias. Dentre as escolas deste período, foi a menos combatida pelos apologistas cristãos, principalmente no que diz respeito à moral.
Seu sucesso foi maior na fase que vai desde a sua fundação até os primórdios do séc. IV da era cristã. Dentre os seus seguidores romanos mais famosos destacaram-se: Sêneca (4 a.C. – 65 d.C),  preceptor de Nero; o escravo liberto Epíteto (morto em 117 d.C.) e o imperador Marco Aurélio (121 d.C. – 180 d.C.), seguidor e moderador das ideias de Epíteto.
Aspectos Filosóficos
Sucintamente podemos dizer que o principal objetivo dessa filosofia é “seguir a natureza.” Este adágio resume o pensamento filosófico de Zenon. Porque se observado, pode conduzir o homem à felicidade. Mas para compreender melhor este preceito, é preciso considerar os seguintes aspectos:
DEUS – A concepção de Deus é bastante especial. Ele é visto como Razão Absoluta (logo[2]s), que gera o mundo sem que este seja radicalmente diferente de si mesmo, isto é, o mundo não é essencialmente diferente de Deus. “O mundo é um organismo em que as partes interagem para o bom funcionamento do todo”[3]. Assim, tudo é divino (panteísmo), inclusive a natureza. Além disso, os estóicos entendiam que Deus, periodicamente, renova o mundo quando este se desgasta. O mundo presente é um dos mundos gerados por Deus que, no momento propício, será renovado (palingenesia).
Vem da razão divina (logos[4]), tendo todo o seu desenvolvimento providencialmente ordenado pelo destino repetido identicamente a partir de uma fase do mundo para a seguinte fase num ciclo interminável, terminando cada fase com uma conflagração[5] (ekpyrosis). Só existem corpos e só eles podem interagir. O corpo nessa visão é infinitamente divisível, e não possui vácuo.
A NATUREZA - Sendo divina, é perfeitamente coerente porque é regida pela Razão Divina, podemos dizer que “(...) o conhecimento da natureza é preparação para a ação”[6].
A matéria é compenetrada por qualidades que garantem aos elementos da natureza a coesão, a diferenciação e o movimento. Nos corpos anorgânicos, esta qualidade chama-se estado habitual (éksis/hábito); nas plantas, natureza (phýsis/natureza) e nos animais, alma (psikhé/alma), origem dos sentimentos e dos movimentos instintivos. Por exemplo, elementos como,
O HOMEM – Ocupa lugar especial no universo. É superior em relação aos demais seres pelo fato de participar do logos divino em maior grau do que qualquer outro ser vivente. O seu objetivo na natureza, ou seja, a sua finalidade não é a contemplação, mas, a ação. É através da ação que o homem encontrará a verdadeira felicidade, pois é o ápice de tudo, aonde ele desenvolverá a ataraxia[7] (imperturbabilidade).
Trata-se de um estado de imperturbabilidade decorrente da meditação e da resignação consciente de que existem coisas sobre as quais não temos o poder de mudar. O maior poder, para os estóicos, está em saber aceitar que não é possível controlar tudo. Tal virtude é oriunda da profunda meditação e do exercício da introspecção, conduzindo a um contato com o "Saturno interior"[8].
Ele só consegue chegar a esse grau devido ao fato desse possuir uma alma especial que está em estrito contato com a natureza e de ser responsável por uma conduta moral a que nenhum outro ser tem acesso.
Portanto sua conduta não é a mesma em aparência e externamente: ali onde o imperfeito cumpre um simples dever (kathekon), o sábio cumpre um dever perfeito (kathekon téleion) ou ação reta (katortama), graças a seu acordo consciente com a natureza universal[9].
Para que isso aconteça, o ser humano deve exercer práticas as quais a natureza quer que ele exerça, para assim buscar um nível elevado, o qual, ele possa conhecer as suas limitações, e assim, alcançar um estado de harmonia corporal, moral e espiritual para saber diferenciar o que é bom e o que é mal.
A ÉTICA ESTÓICA
Ética[10] criada por Sêneca, denominada de estoicismo[11]. É uma doutrina que visa representar uma ideia de respeito ao universo e suas leis cósmicas.
A ética estóica é uma ética que se pauta na compreensão reflexiva, na meditação que conduz a um estado de imperturbabilidade, de serenidade e de paciência: virtudes saturninas que, se integradas, conduzem a uma paz duradoura e permitem o exercício do verdadeiro poder, aquele que exercemos sobre nós mesmos, sobre nossos aspectos mais animalescos e primitivos[12].
Resumidamente podemos dizer que, “a ética dos estóicos é uma teoria do uso prático da Razão”[13]. É uma busca de fazer com que a razão seja algo “materializável”.
Moral
O aspecto ao qual o estoicismo deve sua fama é, sobretudo, o da moral. Por mais de meio milênio, a mensagem estóica serviu de consolo para muitos homens diante dos males do mundo e de suas ilusões.
O propósito da moral estóica é como também o foi das outras escolas, a felicidade humana. Porém, o caminho indicado para alcançá-la foi distinto. A diferença consistiu, principalmente, no valor que atribuíram ao ser humano. O homem é superior aos demais seres porque a sua natureza é dotada da razão (lógos). A razão é capaz de ultrapassar os limites dos prazeres como queriam os epicuristas. Se a razão se reduzisse à contabilidade hedonística, o homem não estaria muito além dos demais animais. O logos humano é entendido, segundo Zenon, no seu verdadeiro plano. Ele é visto como fragmento e um momento do lógos divino. Sêneca diz que a razão coloca o homem acima de todos os animais e abaixo apenas dos deuses (Epistolae, 76,9). A natureza humana é, pois, essencialmente racional. A felicidade humana reside na prática do bem. O bem consiste no incremento permanente de sua racionalidade. Desse modo, o homem estará realizando a sua natureza, assim como os demais animais estarão realizando a sua, enquanto vivem de acordo com os instintos.
Se o bem está em todas as virtudes (prudência, justiça, fortaleza, moderação, piedade, etc.), o mal está no vício (injustiça, devassidão, ignorância, impiedade, etc.). Contudo, além das coisas boas e das coisas más, existem também as coisas indiferentes. São indiferentes do ponto de vista moral, isto é, possuí-las ou não, não significa nem virtude nem vício. São elas: riqueza, beleza, estirpe nobre, força, saúde, fama, vida, etc, e todos os seus contrários: pobreza, feiúra, origem humilde, morte, etc.
A procura alucinada das coisas indiferentes resulta em grande perigo para a realização da natureza do homem como perfeita racionalidade. Esta é geralmente acompanhada de vícios. Por exemplo, na busca da riqueza, o homem pode tornar-se ímpio ou agir injustamente.
Eis o sentido do princípio. “Segue a natureza.” O homem virtuoso é aquele que conduz os seus passos exatamente de acordo com que lhe dita a sua natureza e razão. Foge diante dos vícios e se mantém totalmente neutro diante das coisas indiferentes. O verdadeiro estóico não demonstra afetação diante delas, não se altera diante do sofrimento físico ou diante da pobreza, que são perfeitamente aceitáveis, pois ser pobre ou sofrer não significa ser mau. A capacidade de dominar as paixões, as emoções ou as afetações, tanto diante das coisas empiricamente desagradáveis como daquelas agradáveis, recebe o nome de apathéia (ausência de paixões). A apathéia leva a ataraxía (ausência de movimento), estado de plena tranqüilidade ou imperturbabilidade. O sábio estóico não sofre remorso porque não age contra a razão. Ele busca sempre seguir a natureza da razão, nem que para isso se exija “sacrifícios” que aparentemente são vistos como coisas ruins. Sendo que “(...) há casos em que é melhor renunciar a seus deveres de família ou de magistrado”[14].
A moral estóica encaixa-se perfeitamente com a situação política do homem grego de então. Todas as “aparências”, tão valorizadas na polis e não mais acessíveis, são consideradas de menos importância para a felicidade humana. Enfim, o miserável, o doente, o feio, o analfabeto, o fraco, o apátrida[15], também podem ser felizes. Todos podem alcançar a ataraxía, pois todos são gerados e movidos pela natureza. Sendo que segundo os estóicos “o sábio e o imperfeito tem exatamente os mesmos deveres, até o ponto de que o sábio, por perfeito e feliz que seja, deverá abandonar a vida pelo suicídio, se sofre em excesso de coisas contrárias à natureza”[16]. Eles partem de uma razão universal e isso afirma semelhanças de gêneros inclusive no que diz respeito a Deus. Sendo assim, “nenhuma distinção deste gênero há aqui, já que se vê na virtude apenas a razão universal. Deus mesmo não tem uma virtude diferente da dos homens”[17]. Pois a virtude de ambos é a prática do bem.
Antropologia
Segundo os estóicos, o homem é um composto de corpo e alma. A alma é entendida como um fragmento da alma cósmica. A alma individual é partícipe da alma universal que é Deus. Contudo, a alma humana não é imaterial. Ela é também corpórea, isto é, material, porém, a matéria que a constitui é privilegiada. Os estóicos denominam-na de pnéuma. Por uma pnéuma¸ deve-se entender sopro, alento ou, mais propriamente, o “ar deslocado pelo ato de soprar” e, por extensão, “força vital”, “espírito”. O homem que busca alcançar o seu maior grau de perfeição, buscará seguir a vontade de Deus, ou seja, o destino proposto pelo Criador. Sendo assim, “(...) o homem perfeito (...) escolherá a enfermidade, por exemplo, se sabe que é desejada pelo destino: mas em caso de igualdade[18], escolherá preferencialmente a saúde” [19].
A alma penetra todo o organismo físico, já que os estóicos admitem a interpenetrabilidade da matéria. Enquanto penetra e vivifica todo o corpo humano, presidindo as suas funções, a alma é dividida em oito partes: a central ou hegemônica é a que tudo dirige e coincide, sobretudo com a razão, outras cinco partes constituem os cincos sentidos, a sétima preside a fala e a última preside a geração. Atribuem a algumas “partes” funções variadas. Por exemplo, cabe à parte hegemônica as seguintes funções: sensação/representação, assentimento, apetite e raciocínio.
Sensação/representação - é a impressão causada pelo objeto, que é transportada para alma através dos sentidos. A representação é uma marca material na alma. Considerando a alma de ordem material, não é difícil aceitar tal afirmação. Em algumas passagens, essa função é chamada de percepção.
Assentimento – A representação em si não significa ainda a verdade. É um sentir que não depende exclusivamente do sujeito, podendo ser verdadeira ou falsa. A representação postula um livre assentimento de logos que irá julgá-la falsa ou verdadeira.
Apetite – O assentimento à verdade dá ocasião à realização do bem. O bem somente pode ser praticado se houver a vontade de sua prática. Assim, o bom apetite é a tendência para a virtude e o mau apetite é a tendência para o vício. O apetite pode ser associado à vontade.
Razão – É a função central da pnéuma, sendo responsável pela ordem no âmbito das atividades psíquicas. Estabelece os princípios da sucessão e da coexistência entre todas as outras funções. A alma é, pois, o elemento que vivifica o corpo, além de ser responsável pela atividade do conhecimento e pela vontade.
No âmbito do pensamento estóico, a questão do destino da alma não se constitui em problema. Não sendo ela imaterial, é necessariamente mortal. Sua morte pode-se dar tanto no momento da morte do corpo quanto após, porque a matéria da qual se constitui é mais sutil que a do corpo. Segundo alguns estóicos, a morte de todas as almas se dá no momento em que Deus intervém para recriar o mundo.
CONCLUSÃO
O estoicismo   durou cerca de 500 anos e grande foi a sua influência entre os gregos e romanos. No que diz respeito a ética em se tratando da moral para os estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, não é o prazer,  nem a felicidade, mas a virtude que é a pratica do bem. Sendo assim, a ética estóica foi um campo de vasta contribuição para a construção filosófica na Grécia antiga, estendendo-se seu ensinamento moral, que exerceu tanta influência na moral cristã (com a qual a ética estóica tem uma relação semelhante a da metafísica aristotélica e com a teologia).
Antes de tudo, o rigorismo excessivo, que tem às vezes aspectos desumanos e visa a um ideal de vida às vezes abstrato e quimérico, além de contaminado por traços de egoísmo. A indiferença cósmica o sábio estóico tende a isolar-se do mundo e a considerar as suas vicissitudes históricas com ânimo não só desapegado, mas também indiferente.
Podemos assim ver, que devido à perda de territórios e a decadência da filosofia grega, acabou propiciando mudanças no que diz respeito às questões filosóficas. Buscou-se assim, centralizar o homem como um ser único e capaz de realizar a prática da virtude, pois é o único dos seres da natureza que é dotado de razão. Sendo assim, os estóicos tentaram demonstrar a alta semelhança que o homem tem para com Deus. Exercendo virtudes que visassem elevar o humano para assim, esse exercer a prática do vem e fazer assim, a vontade da natureza e de Deus.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. – 5. ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2007.
BRUM, Jean. O estoicismo. Lisboa: Edições 70, 1986.
Dicionário de filosofia de Cambridge. Dirigido por Robert Audi; (tradução João Paixão Netto; Edwino Aloysius Royer et. al.). São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção dicionários)
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.
HRYNIEWICZ, Severo. Para Filosofar Hoje. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2006.
REALE, Giovanni. História da filosofia pagã antiga. V.1[tradução Ivo Storniolo]. – São Paulo: Paulus, 2003.
Na Internet:

DISTINÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL

Conceitos de Ética e Moral com base em filósofos Distinção entre Ética e Moral https://karenelisabethgoes.jusbrasil.com.br/artigos/1452...