A
ÉTICA NO ESTOICISMO
As
condições políticas nas quais se desenvolve a reflexão filosófica depois de
Platão e Aristóteles estão profundamente mudadas. Entre grandes disputas, mesmo
sufocadas com sangue sob o jugo de Tebas e o esfacelamento dos Macedônios, a
Grécia não consegue restituir sua independência. Com isso a política é
subjugada, e a Hélade conquista o mundo com sua cultura, que encontra abertos à
sua frente novos horizontes e novas vias para estender-se mais e, ao mesmo
tempo, para enriquecer-se mais pela assimilação de novas ideias.
Acontece
que o que se ganha em extensão se perde em profundidade. Por outro lado, depois
do esforço especulativo que o pensamento grego sustentou durante três séculos
para resolver o mistério do universo, especialmente depois das grandiosas construções
da Platão e Aristóteles, é compreensível que o vigor especulativo se tenha
atenuado e estancado por cansaço e exaustão. O período helenístico
caracteriza-se como período de erudição, de crítica penetrante e de sábia
reelaboração das conquistas do passado (no campo filosófico e literário).
A
pesquisa filosófica no período helenístico tem um sentido eminentemente ético,
razão pela qual é usualmente denominado período ético. Além do problema da
moral, os filósofos também se ocupam de problemas relacionados à física e a
lógica. De modo diferente de resolver os problemas relativos ao Sumo Bem e a
verdade é que nascem os quatro grandes movimentos filosóficos do período
helenístico: estóico, epicurista, cético e eclético.
Em
ordem de tempo e importância, o primeiro movimento filosófico do período
helenístico é o dos estóicos. O estoicismo é uma doutrina essencialmente moral
que contém também algumas doutrinas importantes sobre o conhecimento humano e
sobre a estrutura do cosmo.
Dessa
forma, a filosofia estóica formou-se pela ação de três filósofos, que um depois
do outro, deram cada um a própria original e conspícua contribuição às
doutrinas da Escola, chamada “Estoicismo (...) um dos três principais
movimentos que constituem a filosofia helenística”[1]., que em
sua doutrina preocupava-se em seu sentido ético refletir sobretudo uma norma de
vida, o segredo da felicidade, um princípio de conduta que assegure a paz da
alma.
[1] Dicionário de filosofia de Cambridge.
Dirigido por Robert Audi; (tradução João Paixão Netto; Edwino Aloysius Royer et
al.). São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção dicionários) p. 293
Aspectos Históricos
As
origens do estoicismo estão ligadas a Zenon de Cítio (336 -264 a.C.), que, após
ter ouvido as lições do cínico Crates e de alguns seguidores de Platão, por
volta do ano 306, começou a ministrar as suas lições debaixo de um pórtico
(stóa) de Atenas. Assim, teve início uma nova escola filosófica.
Com
cerca de 42 anos, Zenão começa a ensinar e funda uma escola; os seus alunos
foram primeiramente designados por Zenonianos, depois, segundo o costume de dar
a uma escola o nome do lugar onde estava estabelecida, chamou-se-lhes Estóicos.
Estoicismo deriva, com efeito, da palavra grega stoa que significa pórtico, porque
Zenão ensinava perto do Pórtico Poecilo, assim designado – poecilo significa
revestido de pinturas – porque Polignote o decorara pinturas para purificar
este lugar onde, sob a tirania dos Trinta, mais de mil e quatrocentos cidadãos
haviam sido massacrados; a expressão sinônima [filosofia do pórtico] é
utilizada muitas vezes para designar o estoicismo.[1]
As lições
de Zenon tornaram-se muito concorridas e, em pouco tempo, formou-se um numeroso
grupo de fiéis seguidores de suas doutrinas; entre estes, encontravam-se
pessoas famosas da vida política ateniense, como o rei Antígano Ganatas.
As
ideias estóicas tiveram ampla aceitação e, por longo tempo, difundiram-se por
todos os lugares onde fez eco a cultura grega: em Roma, no Médio Oriente, na
África. O próprio cristianismo teve simpatia por algumas de suas ideias. Dentre
as escolas deste período, foi a menos combatida pelos apologistas cristãos,
principalmente no que diz respeito à moral.
Seu
sucesso foi maior na fase que vai desde a sua fundação até os primórdios do
séc. IV da era cristã. Dentre os seus seguidores romanos mais famosos
destacaram-se: Sêneca (4 a.C. – 65 d.C), preceptor de Nero; o escravo
liberto Epíteto (morto em 117 d.C.) e o imperador Marco Aurélio (121 d.C. – 180
d.C.), seguidor e moderador das ideias de Epíteto.
Aspectos Filosóficos
Sucintamente
podemos dizer que o principal objetivo dessa filosofia é “seguir a natureza.”
Este adágio resume o pensamento filosófico de Zenon. Porque se observado, pode
conduzir o homem à felicidade. Mas para compreender melhor este preceito, é
preciso considerar os seguintes aspectos:
DEUS –
A concepção de Deus é bastante especial. Ele é visto como Razão Absoluta (logo[2]s), que
gera o mundo sem que este seja radicalmente diferente de si mesmo, isto é, o
mundo não é essencialmente diferente de Deus. “O mundo é um organismo em que as
partes interagem para o bom funcionamento do todo”[3]. Assim,
tudo é divino (panteísmo), inclusive a natureza. Além disso, os estóicos
entendiam que Deus, periodicamente, renova o mundo quando este se desgasta. O
mundo presente é um dos mundos gerados por Deus que, no momento propício, será
renovado (palingenesia).
Vem da
razão divina (logos[4]), tendo
todo o seu desenvolvimento providencialmente ordenado pelo destino repetido
identicamente a partir de uma fase do mundo para a seguinte fase num ciclo
interminável, terminando cada fase com uma conflagração[5] (ekpyrosis). Só existem corpos e só
eles podem interagir. O corpo nessa visão é infinitamente divisível, e não
possui vácuo.
A
NATUREZA - Sendo divina, é perfeitamente coerente porque é regida pela Razão
Divina, podemos dizer que “(...) o conhecimento da natureza é preparação para a
ação”[6].
A matéria
é compenetrada por qualidades que garantem aos elementos da natureza a coesão,
a diferenciação e o movimento. Nos corpos anorgânicos, esta qualidade chama-se
estado habitual (éksis/hábito); nas plantas, natureza (phýsis/natureza) e nos
animais, alma (psikhé/alma), origem dos sentimentos e dos movimentos
instintivos. Por exemplo, elementos como,
O
HOMEM – Ocupa lugar especial no universo. É superior em relação aos demais
seres pelo fato de participar do logos divino em maior grau do que qualquer
outro ser vivente. O seu objetivo na natureza, ou seja, a sua finalidade não é
a contemplação, mas, a ação. É através da ação que o homem encontrará a
verdadeira felicidade, pois é o ápice de tudo, aonde ele desenvolverá a
ataraxia[7] (imperturbabilidade).
Trata-se
de um estado de imperturbabilidade decorrente da meditação e da resignação
consciente de que existem coisas sobre as quais não temos o poder de mudar. O
maior poder, para os estóicos, está em saber aceitar que não é possível
controlar tudo. Tal virtude é oriunda da profunda meditação e do exercício da
introspecção, conduzindo a um contato com o "Saturno interior"[8].
Ele só
consegue chegar a esse grau devido ao fato desse possuir uma alma especial que
está em estrito contato com a natureza e de ser responsável por uma conduta
moral a que nenhum outro ser tem acesso.
Portanto
sua conduta não é a mesma em aparência e externamente: ali onde o imperfeito
cumpre um simples dever (kathekon), o sábio cumpre um dever perfeito (kathekon
téleion) ou ação reta (katortama), graças a seu acordo consciente com a
natureza universal[9].
Para
que isso aconteça, o ser humano deve exercer práticas as quais a natureza quer
que ele exerça, para assim buscar um nível elevado, o qual, ele possa conhecer
as suas limitações, e assim, alcançar um estado de harmonia corporal, moral e
espiritual para saber diferenciar o que é bom e o que é mal.
A ÉTICA ESTÓICA
Ética[10] criada por Sêneca, denominada de
estoicismo[11]. É uma
doutrina que visa representar uma ideia de respeito ao universo e suas leis
cósmicas.
A
ética estóica é uma ética que se pauta na compreensão reflexiva, na meditação
que conduz a um estado de imperturbabilidade, de serenidade e de paciência:
virtudes saturninas que, se integradas, conduzem a uma paz duradoura e permitem
o exercício do verdadeiro poder, aquele que exercemos sobre nós mesmos, sobre
nossos aspectos mais animalescos e primitivos[12].
Resumidamente
podemos dizer que, “a ética dos estóicos é uma teoria do uso prático da Razão”[13]. É uma
busca de fazer com que a razão seja algo “materializável”.
Moral
O
aspecto ao qual o estoicismo deve sua fama é, sobretudo, o da moral. Por mais
de meio milênio, a mensagem estóica serviu de consolo para muitos homens diante
dos males do mundo e de suas ilusões.
O
propósito da moral estóica é como também o foi das outras escolas, a felicidade
humana. Porém, o caminho indicado para alcançá-la foi distinto. A diferença
consistiu, principalmente, no valor que atribuíram ao ser humano. O homem é
superior aos demais seres porque a sua natureza é dotada da razão (lógos). A
razão é capaz de ultrapassar os limites dos prazeres como queriam os
epicuristas. Se a razão se reduzisse à contabilidade hedonística, o homem não
estaria muito além dos demais animais. O logos humano é entendido, segundo Zenon,
no seu verdadeiro plano. Ele é visto como fragmento e um momento do lógos
divino. Sêneca diz que a razão coloca o homem acima de todos os animais e
abaixo apenas dos deuses (Epistolae, 76,9). A natureza humana é, pois,
essencialmente racional. A felicidade humana reside na prática do bem. O bem
consiste no incremento permanente de sua racionalidade. Desse modo, o homem
estará realizando a sua natureza, assim como os demais animais estarão
realizando a sua, enquanto vivem de acordo com os instintos.
Se o
bem está em todas as virtudes (prudência, justiça, fortaleza, moderação,
piedade, etc.), o mal está no vício (injustiça, devassidão, ignorância,
impiedade, etc.). Contudo, além das coisas boas e das coisas más, existem
também as coisas indiferentes. São indiferentes do ponto de vista moral, isto
é, possuí-las ou não, não significa nem virtude nem vício. São elas: riqueza,
beleza, estirpe nobre, força, saúde, fama, vida, etc, e todos os seus
contrários: pobreza, feiúra, origem humilde, morte, etc.
A
procura alucinada das coisas indiferentes resulta em grande perigo para a
realização da natureza do homem como perfeita racionalidade. Esta é geralmente
acompanhada de vícios. Por exemplo, na busca da riqueza, o homem pode tornar-se
ímpio ou agir injustamente.
Eis o
sentido do princípio. “Segue a natureza.” O homem virtuoso é aquele que conduz
os seus passos exatamente de acordo com que lhe dita a sua natureza e razão.
Foge diante dos vícios e se mantém totalmente neutro diante das coisas
indiferentes. O verdadeiro estóico não demonstra afetação diante delas, não se
altera diante do sofrimento físico ou diante da pobreza, que são perfeitamente
aceitáveis, pois ser pobre ou sofrer não significa ser mau. A capacidade de
dominar as paixões, as emoções ou as afetações, tanto diante das coisas
empiricamente desagradáveis como daquelas agradáveis, recebe o nome de apathéia
(ausência de paixões). A apathéia leva a ataraxía (ausência de movimento),
estado de plena tranqüilidade ou imperturbabilidade. O sábio estóico não sofre
remorso porque não age contra a razão. Ele busca sempre seguir a natureza da
razão, nem que para isso se exija “sacrifícios” que aparentemente são vistos
como coisas ruins. Sendo que “(...) há casos em que é melhor renunciar a seus
deveres de família ou de magistrado”[14].
A
moral estóica encaixa-se perfeitamente com a situação política do homem grego
de então. Todas as “aparências”, tão valorizadas na polis e não mais
acessíveis, são consideradas de menos importância para a felicidade humana.
Enfim, o miserável, o doente, o feio, o analfabeto, o fraco, o apátrida[15], também
podem ser felizes. Todos podem alcançar a ataraxía, pois todos são gerados e
movidos pela natureza. Sendo que segundo os estóicos “o sábio e o imperfeito
tem exatamente os mesmos deveres, até o ponto de que o sábio, por perfeito e
feliz que seja, deverá abandonar a vida pelo suicídio, se sofre em excesso de
coisas contrárias à natureza”[16]. Eles
partem de uma razão universal e isso afirma semelhanças de gêneros inclusive no
que diz respeito a Deus. Sendo assim, “nenhuma distinção deste gênero há aqui,
já que se vê na virtude apenas a razão universal. Deus mesmo não tem uma
virtude diferente da dos homens”[17]. Pois a
virtude de ambos é a prática do bem.
Antropologia
Segundo
os estóicos, o homem é um composto de corpo e alma. A alma é entendida como um
fragmento da alma cósmica. A alma individual é partícipe da alma universal que
é Deus. Contudo, a alma humana não é imaterial. Ela é também corpórea, isto é,
material, porém, a matéria que a constitui é privilegiada. Os estóicos
denominam-na de pnéuma. Por uma pnéuma¸ deve-se entender sopro, alento ou, mais
propriamente, o “ar deslocado pelo ato de soprar” e, por extensão, “força vital”,
“espírito”. O homem que busca alcançar o seu maior grau de perfeição, buscará
seguir a vontade de Deus, ou seja, o destino proposto pelo Criador. Sendo
assim, “(...) o homem perfeito (...) escolherá a enfermidade, por exemplo, se
sabe que é desejada pelo destino: mas em caso de igualdade[18],
escolherá preferencialmente a saúde” [19].
A alma
penetra todo o organismo físico, já que os estóicos admitem a
interpenetrabilidade da matéria. Enquanto penetra e vivifica todo o corpo
humano, presidindo as suas funções, a alma é dividida em oito partes: a central
ou hegemônica é a que tudo dirige e coincide, sobretudo com a razão, outras
cinco partes constituem os cincos sentidos, a sétima preside a fala e a última
preside a geração. Atribuem a algumas “partes” funções variadas. Por exemplo,
cabe à parte hegemônica as seguintes funções: sensação/representação,
assentimento, apetite e raciocínio.
Sensação/representação
- é a impressão causada pelo objeto, que é transportada para alma através dos
sentidos. A representação é uma marca material na alma. Considerando a alma de
ordem material, não é difícil aceitar tal afirmação. Em algumas passagens, essa
função é chamada de percepção.
Assentimento
– A representação em si não significa ainda a verdade. É um sentir que não
depende exclusivamente do sujeito, podendo ser verdadeira ou falsa. A
representação postula um livre assentimento de logos que irá julgá-la falsa ou
verdadeira.
Apetite
– O assentimento à verdade dá ocasião à realização do bem. O bem somente pode
ser praticado se houver a vontade de sua prática. Assim, o bom apetite é a
tendência para a virtude e o mau apetite é a tendência para o vício. O apetite
pode ser associado à vontade.
Razão
– É a função central da pnéuma, sendo responsável pela ordem no âmbito das
atividades psíquicas. Estabelece os princípios da sucessão e da coexistência
entre todas as outras funções. A alma é, pois, o elemento que vivifica o corpo,
além de ser responsável pela atividade do conhecimento e pela vontade.
No
âmbito do pensamento estóico, a questão do destino da alma não se constitui em
problema. Não sendo ela imaterial, é necessariamente mortal. Sua morte pode-se
dar tanto no momento da morte do corpo quanto após, porque a matéria da qual se
constitui é mais sutil que a do corpo. Segundo alguns estóicos, a morte de
todas as almas se dá no momento em que Deus intervém para recriar o mundo.
CONCLUSÃO
O
estoicismo durou cerca de 500 anos e grande foi a sua influência
entre os gregos e romanos. No que diz respeito a ética em se tratando da moral
para os estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, não é o prazer,
nem a felicidade, mas a virtude que é a pratica do bem. Sendo assim, a ética
estóica foi um campo de vasta contribuição para a construção filosófica na
Grécia antiga, estendendo-se seu ensinamento moral, que exerceu tanta
influência na moral cristã (com a qual a ética estóica tem uma relação
semelhante a da metafísica aristotélica e com a teologia).
Antes
de tudo, o rigorismo excessivo, que tem às vezes aspectos desumanos e visa a um
ideal de vida às vezes abstrato e quimérico, além de contaminado por traços de
egoísmo. A indiferença cósmica o sábio estóico tende a isolar-se do mundo e a
considerar as suas vicissitudes históricas com ânimo não só desapegado, mas
também indiferente.
Podemos
assim ver, que devido à perda de territórios e a decadência da filosofia grega,
acabou propiciando mudanças no que diz respeito às questões filosóficas.
Buscou-se assim, centralizar o homem como um ser único e capaz de realizar a
prática da virtude, pois é o único dos seres da natureza que é dotado de razão.
Sendo assim, os estóicos tentaram demonstrar a alta semelhança que o homem tem
para com Deus. Exercendo virtudes que visassem elevar o humano para assim, esse
exercer a prática do vem e fazer assim, a vontade da natureza e de Deus.
REFERÊNCIAS
BITTAR,
Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. – 5. ed.
rev. – São Paulo: Saraiva, 2007.
BRUM,
Jean. O estoicismo. Lisboa: Edições 70, 1986.
Dicionário
de filosofia de Cambridge. Dirigido por Robert Audi; (tradução João Paixão
Netto; Edwino Aloysius Royer et. al.). São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção
dicionários)
FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.
ed. Curitiba: Positivo, 2004.
HRYNIEWICZ,
Severo. Para Filosofar Hoje. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2006.
REALE,
Giovanni. História da filosofia pagã antiga. V.1[tradução Ivo Storniolo]. – São
Paulo: Paulus, 2003.
Na
Internet: