ÉTICA DE PLATÃO E
ARISTÓTELES: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
A ÉTICA DE PLATÃO
Platão propõe uma ética transcendente,
dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do
mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo
inteligível. O filósofo centra suas indagações na Ideia perfeita, boa e justa
que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam a
realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens tem seus
valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o
homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social.
O uso reto da razão é entendido como o
meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No
mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra
o homem ao lidar com o conhecimento das aparências. Somente pelo conhecimento
racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser e conhecer a verdade
das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as
aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este
método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e
levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da
Ideia Suprema: o Bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a
esta.
O Bem ilumina o ser com verdade,
permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite
que sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito
da caverna. Existem diversas ideias e é devido à participação nestas, mesmo que
enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao contemplar
a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações
devem ser pautadas conforme a ideia contemplada.
A alma humana – de suma relevância para
a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela
irascibilidade e pela concuspiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada
uma das partes da alma possui suas funções específicas que não podem ser
exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e, por
analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode
ser executada com excelência ou não, e, ao executá-la com excelência, sua
virtude própria é exercida.
A virtude é definida, pois, como
capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da
cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso
dos guerreiro e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a
coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de
bens da cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe,
pode-se definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme
suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a
sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria
também concebido como princípio de equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o
liga ao conceito de virtude.
O sentimento de justiça é, pois, a
virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta
virtude seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele
realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao bem individual quanto social.
A ética platônica ocupa-se com o
correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o
discurso ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona esta com
o conceito de justiça. O problema da justiça enquadra-se no âmbito político, o
qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese
central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a
constituição da cidade ideal, surge o problema cerne acerca da definição da
justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no
indivíduo quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a
fim de que se encontre a definição de justiça.
Para Platão, a sociedade seria como
algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários elementos
independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já
apontamos, e cada classe possui sua função específica. Deve-se notar que tais
funções são determinadas conforme as aptidões naturais de cada membro da
cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo
na alma humana. A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a
felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas virtudes, de suas
aptidões específicas.
Devemos ter em mente que a virtude
correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve ser
ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no
método dialético ascendente, o qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até
o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem. Após
contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe
propiciou educação de modo a guiar os outros cidadãos da ignorância ao
conhecimento racional.
As ideias – das quais se originam as
cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades
universais, eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem
seguidos, são paradigmas para a construção da cidade ideal e para a educação
moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos.
Fica evidente que a proposta de Platão
liga-se, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem – este último é o
supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à
conduta individual. O equilíbrio entre as três partes componentes da alma e da
cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por
definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as
Ideias. Como veremos adiante, tal busca é oposta à busca aristotélica pela
virtude ligada à aplicabilidade desta.
A ÉTICA DE ARISTÓTELES
A ética aristotélica, em oposição à
ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do
mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social.
As exigências com relação à vida na polis e a realidade do homem formam o
conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos valores, pela
moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria
ética era realista, empirista em contrapartida à visão idealista e racionalista
de Platão.
A ética aristotélica inicia-se com o
estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada
eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a
virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de
felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A
felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com
uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo
sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o
estudo da natureza da virtude moral.
A virtude é definida pelo Estagirita
como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o
homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra
oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função
determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal.
A virtude moral é consistida por uma
mediedade relativa a nós e o filósofo define- a como disposição – já que não
podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que
a disposição está de acordo com a reta razão. Após estabelecer a virtude moral
como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com
relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre
virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. O Estagirita, em
contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel importante dos
sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é
responsável na formação das virtudes, quando em conformidade com a parte
racional.
O que distingue as duas espécies de
virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e
assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua
vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom
ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à nós. Logo,
a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às
circunstâncias nas quais a ação se produz.
Nenhuma das virtudes morais surge nos
homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o que é
por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em
receber tais virtudes e esta capacidade em recebê-las é aperfeiçoada pelo
hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das
virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não
há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso.
Neste ponto da exposição aristotélica,
podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o
homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta
para a diferença entre as concepções idealistas/racionalistas apresentadas por
Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo peripatético.
Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e
conhecimento, de modo que conhecer a essência da Justiça implicaria em ser
justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da ideia do Bem
seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de
conhecimento teórico, conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que
a razão não é a única a atuar na determinação da boa conduta, devendo-se levar
em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato
de que as virtudes implicam uma atividade racional.
Como vimos, as virtudes morais são
vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas –
como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como
adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações,
responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre
a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz
por ignorância, pois o mal é a ausência do bem. Está na natureza das virtudes a
possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à
mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais.
Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude
é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso
e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta
é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as
emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos
certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual
diverge da noção platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma
exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível, com excelência para
exercer sua respectiva virtude.
Ao propor a mediania como gênero de
virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega
clássica, porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A
mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e,
devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e,
concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões – contrariamente à
doutrina platônica, na qual a ação moral tem uma relação intrínseca com a
contemplação do Bem. De acordo com Aristóteles, a posição de meio é o que tem a
mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre
considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente
que o “meio” se dá em relação ao agente, pois não é válido para todos.
A virtude moral deve possuir a
qualidade de visar o meio-termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas
ações e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-termo. As
ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo que determine sua tendência
para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania expressa a
virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que
nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por
conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta, por sua vez, é
determinada segundo um princípio racional. Pode-se notar que, para Aristóteles,
a virtude é uma espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como
disposição de caráter que tem relação com a escolha dos atos e das paixões. A
justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de
sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua
definição, Aristóteles define-a como mediania.
O Estagirita afirma que sua
investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, como a
realizada por Platão, mas a investigação se dá com a finalidade de que os
homens tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à Ciência Política,
tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens se
tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos
particulares.
A virtude é um meio-termo entre dois
vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência.
Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora
algumas ações não permitam um meio-termo por seus próprios nomes já implicarem,
em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos – entre os quais a
mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar
atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado.
Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar o prazer e o
sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais,
deve-se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado
intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro.
Em todas as coisas, o meio-termo é
digno de ser louvado. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora
da falta com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao
meio-termo.
Ao longo das exposições acerca das
perspectivas éticas de Platão e Aristóteles, podemos perceber convergências e
divergências, sendo que estas foram explicitadas de modo geral.
REFERÊNCIA: